quarta-feira, 13 de outubro de 2010
Democracia burguesa: À quem servem as eleições
Diferente do que acreditavam muitos, as eleições presidenciais de 2010 foi para o segundo turno entre os candidatos do PT/PMDB (Dilma) e PSDB/DEM (Serra).
Mas antes de fazer um debate a respeito das diferenças e similaridades entre os dois candidatos, acredito ser mais importante começar debatendo sobre o que é a democracia eleitoral burguesa e a quem serve.
É fundamental para a esquerda socialista que disputa taticamente as eleições burguesas, não deixar de fazer essa discussão e não cair no pragmatismo eleitoral puro, simples e degenerado.
O capitalismo já passou por diversas crises ao longo dos seus séculos e se hoje ainda vivemos em um sistema onde o homem explora o homem, é porque de alguma forma o capitalismo sobreviveu. Com o passar do tempo, o capitalismo se modernizou e se atualizou inventando novas formas de auto manutenção e de exploração, diferentes das
anteriores, mas tão ou mais brutais que antes.
Na metade do século XX, o imperialismo americano atuou de diversas formas para manter seu domínio capitalista. A partir do pós Segunda Guerra foram feitos investimentos maciços para a reconstrução da Europa e do Japão, ajudando essas economias a se reerguerem e afastando o risco de que os comunistas avançassem em meio a crise. Na Europa, a social democracia serviu como uma luva para o capitalismo, dando alguns direitos essenciais para a classe trabalhadora, para que essa não desejasse uma emancipação efetiva, uma liberdade real e um controle sobre seu próprio caminho e história.
Na América Latina a alternativa foi o financiamento e a ajuda efetiva de golpes militares para derrubada de governos de esquerda ou progressistas, além da perseguição brutal não só daqueles que apresentavam uma alternativa anti-capitalista, como também daqueles que preservavam a ordem, mas fugiam do controle do imperialismo ianque, como é o caso do peronismo.
Com a queda do muro de Berlim e o risco soviético solapado da realidade concreta da classe trabalhadora, juntamente com o fato de que as ditaduras civil-militares encontravam desgastes internos graves, o apoio a esses regimes era não só mal visto, como apresentava um risco ao sistema capitalista conforme as insatisfações aumentavam.
A passagem para democracia foi então lenta, negociada e sem revanchismos, de forma que nas novas democracias se preservassem a estrutura de exploração que sempre existiu. Porém, a possibilidade virtual de que qualquer um pode montar um partido e se candidatar aos cargos públicos trazia um risco de que, através do próprio sistema, alternativas anti sistêmicas fossem levadas ao poder.
Novamente o capitalismo mostra sua força e sua capacidade de adaptação as novas realidades. Mesmo existindo essa teórica liberdade democrática, alguns mecanismos permitem que o sistema se preserve e a possibilidade real de que alternativas anti-capitalistas cheguem ao poder de fato, sejam nulas ou quase nulas.
Isso acontece em todo o mundo democrático burguês. No Brasil, especificamente, percebemos que apenas as campanhas milionárias conseguem se eleger. Isso deve-se ao fato de que, com muito dinheiro, os candidatos conseguem maior visibilidade. No mundo contemporâneo, a imagem é de suma importância. Vivemos numa sociedade onde a imagem está presente em tudo e tudo é espetáculo. O importante é muito mais o visual que o próprio conteúdo. Isso serve também para as eleições. Os candidatos com muito dinheiro conseguem contratar marqueteiros consagrados que irão fazer uma campanha magnífica, em termos técnicos e cinematográficos.
A mídia, no dia a dia, estimula esse tipo de comportamento com seus programas e filmes cada vez mais espetaculares enchendo nos olhos com a magnífica tecnologia visual que nos prende a atenção e nos maravilha. Durante o espetáculo das eleições, não conseguimos dar valor a campanhas que não encham nossos olhos de imagens, cores e cenas espetaculosas.
E da onde vem o dinheiro para fazer essas campanhas espetaculares? Financiamento privado. Empresas como bancos, empreiteiras, empresas de transporte e etc, investem pesado nas eleições. Os bancos que doaram 10 milhões para cada um dos principais candidatos de 2006 (Lula e Alckmin), não fizeram isso por ideologia ou concepção de país, mas sim porque, quando esses candidatos vencem, precisam retribuir o imenso investimento que esses empresários deram a eles. Não surpreende, portando, que os últimos candidatos que venceram as eleições majoritárias no Brasil inteiro tiveram investimento massivo de empresários e fizeram governos que beneficiaram muito esses empresários.
Outra forma de garantir que nenhum candidato socialista chegue ao poder, ou consiga divulgar suas idéias de forma ampla, é o horário eleitoral gratuito. Esse espaço público na TV é importante e necessário (algo que não existe nos EUA, por exemplo), mas conseguiram transformar até mesmo isso em algo desproporcional e anti democrático. O tempo não é dividido igualmente (isso por si só já é bizarro), e o critério de quem vai ficar com mais tempo ou menos é definido pelas alianças e pela bancada parlamentar.
Ou seja, caso você queira ter um grande tempo na TV, você precisa se aliar de preferência com aqueles partidos que tem uma grande parlamentar. Caso seu próprio partido queira ter uma ampla bancada parlamentar, precisa contratar um bom marqueteiro para fazer uma propaganda bastante espetaculosa e eleger muitos candidatos. Esses marqueteiros são MUITO caros e a própria campanha, para ser grande, é muito cara, então você precisa de dinheiro e, portanto, você precisa aceitar o investimento dos empresários. Sendo assim, mesmo que eu ache que o capitalismo deve ser derrotado, se eu acreditar que devo fazer isso por dentro do
Estado, preciso ter tempo de TV e para ter tempo de TV, preciso ter bancada parlamentar e aliados fortes e para ter bancada, preciso de uma campanha grande e para uma campanha grande, preciso de muito dinheiro que, nessa quantia, só pode vim de mega empresários.
Opa! Será que alguém aí percebeu que, mesmo eu sendo um socialista convicto, caso acredite que devemos chegar ao poder através das eleições, tenho que me integrar ao jogo eleitoral elitista e não democrático? Será que me integrando a esse jogo eleitoral eu conseguirei depois falar para os meus aliados de partidos da burguesia e para os empresários que investiram em mim, que meu governo será contra eles?
Esta é a auto preservação do capitalismo no sistema “democrático”. E assim, a classe trabalhadora vota e vota, eleição após eleição e percebe que nada muda na sua vida.
Não fica difícil, portanto, de entender aqueles que aceitam vender seu voto, pois é
a única maneira de conseguir algo com a eleição. Nos bairros mais pobres, todas as casas têm placas de candidatos que pagaram para porem seu nome e número ali. Isso é estimulado pela própria mídia que vende a idéia de que democracia é, a cada dois anos, você escolher o cara que vai te representar politicamente. A pessoa que irá fazer a política por você e o seu papel é de mero fiscal.
Não fica difícil também entendermos que a classe trabalhadora, no meio de um processo constante de alienação da classe dominante (que tem na grande mídia sua maior aliada), quando suas condições de vida melhoram minimamente, o responsável receba todo e sincero apoio. Mesmo que na política geral, os mais ricos tenham ficado cada vez mais ricos, direitos históricos tenha sido, eu estejam em processo de retirada, que setores discordantes sejam perseguidos. Mas o cara, que antes quase não tinha como comer, recebe uma assistência e pode assim comprar um pouco de alimento.
Esse cenário cria um imenso desafio para a esquerda socialista combativa. Como chegar até esse trabalhador e dizer que sua vida melhorou um pouco, mas que ele precisa se organizar e lutar porque sua vida pode melhorar muito, e ele pode ter liberdade de fato? Como dizer para ele que conseguir dinheiro para comer não é tudo, e que liberdade de fato seria ele não se preocupar com comida, ter tempo e oportunidades de lazer, emprego garantido e salário digno? Como falar para aluno do PROUNI, que antes não poderia estar na Universidade, que na verdade ele deveria estar era numa universidade pública de qualidade (se no início por um sistema paliativo, no final por acesso direto)?
O mais importante para os socialistas é estarem, prioritariamente, atuando no dia a dia da classe trabalhadora. No seu local de trabalho, ou de moradia, nas ocupações urbanas e rurais, nos sindicatos ou nas oposições sindicais, nos diretórios e centro acadêmicos. E nas eleições, usarmos, sem jamais nos vendermos ao jogo eleitoral degenerador, esse espaço mínimo onde se debate minimamente política, para denunciarmos e apontarmos saídas reais. Dizermos que algumas pequenas melhorias são boas, sim, mas o que nós queremos melhoras de fato e não ajudas assistencialistas e personalistas que servem como um calmante social.
Precisamos defender que existam bolsas emergenciais para os mais miseráveis, desde que isso seja uma política de transição e seja acompanhada de uma política de democratização radical do poder, e medidas distributivas que tire o lucro dos mega empresários e a terra dos latifundiários e não reforce isso, pois só assim as medidas paliativas não irão ser o fim em si mesmo, como têm sido nos últimos governos e a distribuição de renda poderá ocorrer concretamente.
A direita e o capitalismo, seja de que pseudo lado esteja nessas eleições, irá manter a política de “bosificação” com os lucros exorbitantes de banqueiros e empresários, pois essa é uma medida de auto preservação do capitalismo que deu certo e que não deve ser mudada (isso no centro da América Latina, onde logo ao lado a população está se organizando e reivindicando avanços). Dessa forma o capitalismo se renova e mantém e manterá sugando o sangue e o suor da maioria explorada da população.
Renan Soares
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