terça-feira, 10 de maio de 2011
Vida Eterna
Pedro andava na direção da luz e sentia uma felicidade que raramente sentiu em vida. Tal vida não havia sido muito gentil com ele nos sessenta anos que esteve na Terra. Quando criança, aguentou quieto as surras do pai alcoólatra. O pior era ver sua mãe ser violentada física, sexual e psicologicamente. Quando o pai morreu nada melhorou, pelo contrário: Pedro largou a escola para começar cedo sua vida de trabalhador. Nunca teve infância e antes mesmo de completar 18 anos, já havia passado pelos piores pesares da vida adulta. Os poucos momentos de prazer e felicidade, que teve durante o resto de sua vida foram ilhas de satisfação em um grande oceano de trabalho duro em troca de pouco.
Mas agora, nada disso importava. Seus ossos não doíam mais, seus olhos não eram mais embaçados, seus pulmões não doíam e as preocupações não mais existiam. Uma morte rápida e indolor foi a última coisa boa que havia lhe acontecido. Com a esperança de uma vida eterna para descansar e ser feliz enchendo seu coração, ele apressou os passos na direção da luz.
Andou, andou, andou, cada vez mais rápido até que, de repente, trombou com uma outra pessoa parada. Pediu desculpa pelo seu jeito estabanado e só então percebeu que estava em um lugar amplo, iluminado, onde tudo era branco e o ar era fresco e puro. Ele percebeu que o homem em que havia esbarrado era o último de uma fila que, nesse ponto, já se estendia para trás de si.
"Onde estamos?" Perguntou Pedro para o homem na sua frente.
"Não sei bem ao certo." Respondeu o homem. "Mas pelo que entendi, este é o limbo."
Pedro aguardou na fila ansioso. Sua vida eterna de paz e traquilidade estava para começar. A fila era gigantesca e parecia que nunca iria chegar sua vez, mas isto não importava. Aguardou mantendo a chama de felicidade acesa em seu coração cheio de fé. Reparou que algumas pessoas passavam direto por eles e iam para o grande portão de entrada do céu. Não entendeu, mas preferiu ignorar. Chega de preocupações. Não mais. Estava livre dos supérfluos problemas terrenos.
Muito tempo depois chegou finalmente sua vez. Havia uma cabine com uma mulher vestida de branco, o cabelo preso em um coque e batom vermelho vivo. Ela digitava no que parecia ser um computador e disse sem olhar nos olhos de Pedro.
"Nome completo."
Pedro estranhou aquela cena. Não esperava ser recebido assim nos portões do paraíso.
"Você é um anjo?" Perguntou ele curioso.
A mulher o olhou com desdém e disse: "Não seja estúpido e responda a pergunta. Tem milhares
de pessoas morrendo todo segundo e não temos tempo para ficarmos de bate-papo. Nome completo".
Pedro respondeu e não perguntou mais nada. A mulher digitou velozmente em seu teclado e foi falando em uma voz monotonal, como um robô: "Não foi à Igreja em nenhum domingo nos últimos dois anos e contribuiu com o dízimo apenas duzentas e treze vezes em toda sua vida, somando um valor total de R$4.108,56. Sua renda média era de R$310,00 por mês. Hummm... Sua situação não é boa... Não é mesmo."
"Eu vou para o inferno?" Perguntou Pedro sentindo um peso em seu estomago.
A recepcionista deu uma leve risada sarcástica e respondeu: "Não tenha tantas esperanças, pois isso não existe mais. Seu setor é o 7b da Área Laranja. Pegue o transporte correspondente e durante a viagem você receberá todas as instruções. Próximo!"
Bem,... Aquilo não era, realmente, o que Pedro esperava da sua chegada ao céu, mas nada era capaz de abalar sua fé. Ele queria apenas descansar e quem sabe reencontrar com sua mãe.
O transporte que a recepcionista indicou era na verdade um ônibus. Isso mesmo. Um velho e comum ônibus, que esperava com o motor ligado ao lado de vários outros parecidos. Alguns eram bastante confortáveis e em frente à eles havia uma fila de pessoas bem arrumadas, como que se fossem para uma festa chique. Em seu ônibus, pelo contrário, todos estavam trajando roupas simples, ternos baratos e seus rostos mostravam as marcas de uma vida de trabalho árduo.
Finalmente embarcou e a viagem começou. Um guia falava com todos com a mesma frieza que falava a recepcionista. Ele fez com que os passageiros rezassem o Pai Nosso e a Ave Maria e depois explicou como seria a vida eterna. Se Pedro não estivesse tão alarmado com o que ouvia, olharia pela janela e perceberia que o céu não era tão diferente de uma cidade comum. Uma cidade semelhante com aquela da qual ele veio. Passaram por casarões muito ricos, onde as pessoas descansavam sob o ar fresco e pareciam bastante felizes. Porém, com o passar do tempo, as casas foram se tornando menores e mais feias. As poucas pessoas que transitavam por aqueles lugares não pareciam ser muito felizes.
Mas Pedro não viu nada disso. Ainda tentava entender as palavras do guia. Não que fossem difíceis, ou proferidas em outra língua. O problema é que eram palavras que ele jamais achou que fosse ouvir ao chegar no paraíso. Não entendia por quê ele falava que todos precisavam acordar as cinco horas da manhã e irem trabalhar para a abençoada fábrica do Senhor, onde estariam ajudando Deus a concretizar um propósito maior.
"Tudo o que vocês farão a partir de hoje tem um propósito divino.” Dizia o guia. “Jamais devemos questionar ou duvidar desse propósito, se não estaremos questionando a vontade do próprio Deus. Devemos deixar nossa fé nos guiar e seremos felizes e protegidos para sempre pelo Senhor."
Não era essa idéia de céu que Pedro tinha em mente. Achou que poderia, finalmente ter o descanso que ansiou desde criança e não uma rotina diária. Mas aquele homem devia estar certo. Há de haver um propósito em tudo que Deus faz. Ele escreve certo com linhas tortas.
Assim começou a vida eterna de Pedro. Acordava cedo e ia trabalhar nas fábricas do Senhor. Não entendia bem o que produziam, mas não ligou para isso. Aprendeu a afastar aquela dúvida que pairava como uma sombra sobre seu coração cheio de fé. Não importava o que faziam, pois faziam em nome de Deus. Esse era o pensamento geral. A grande maioria dos trabalhadores não questionavam esse propósito. Para aqueles homens de pouca fé, que ousavam duvidar dos objetivos divinos, haviam os Inquisidores. Estes eram como a polícia terrena e estavam ali para garantir que a fé nunca fosse abandonar os corações e as mentes de nenhuma alma.
Passaram-se dias, meses e talvez anos. Não sabia quanto tempo estava no paraíso. A rotina diária era psicologicamente cansativa e mesmo que não sentisse dor ou cansaço físico, estava sempre exausto. Os domingos eram dedicados ao agradecimento. Passavam o dia inteiro rezando. Depois de tanto tempo, não cumpria mais os afazeres motivado pela fé e esperança, ele apenas fazia. Se acostumou a levantar, trabalhar, rezar e dormir e não sabia mais como seria sua vida eterna sem esta rotina, que já estava internalizada. Pedro havia esquecido do seu sonho de descanso eterno.
Assim ele viveria por toda eternidade. Porém, em um dia qualquer, que prometia ser igual a todos os outros, algo lhe chamou a atenção. Viu ao longe um rosto que lhe pareceu familiar e que não via a vários anos. Correu por entre a multidão de pessoas, que voltavam para suas casas, até alcançar a mulher. Ela o olhou assustada por ser interrompida em seu trajeto.
Pedro ficou alguns segundos parado em frente à ela seus olhos se encheram de lágrimas. Uma emoção que não sentia desde que chegara naquele lugar tomou conta de si e com algum esforço falou: "Mamãe,..."
A mãe de Pedro continuou a encará-lo com uma expressão confusa, mas que logo se transformou em alegria e emoção, tal qual a de Pedro.
Eles se abraçaram, sorriram e tentaram falar muita coisa ao mesmo tempo. Ficaram parados no meio da rua, enquanto todos passavam por eles. Esqueceram onde estavam e o que faziam, queriam apenas se curtir.
Quando o movimento de almas trabalhadoras cessou, se aproximou um homem de uniforme negro e uma cruz no peito, interrompendo o reencontro.
"Andem! Andem!" Disse o inquisidor. "Não podem ficar aqui parados!"
"Mas este é meu filho, senhor." Disse a mãe de Pedro. "Eu espero por esse momento a mais tempo que posso contar. Me deixe ficar mais um pouco com ele?"
"Negativo." Respondeu o homem. "Saiam agora ou serão detidos."
"Veja bem,..." Tentou argumentar Pedro, mas quando tocou no ombro do Inquisidor, este torceu seu braço de forma bastante dolorida.
"Soltem meu filho!" disse a mãe de Pedro correndo em sua.
O Inquisidor soltou Pedro e bateu com o cassetete em forma de cruz no rosto da mulher desesperada, que caiu no chão chorando. Pedro viu aquela cena e se lembrou de todas as vezes que viu sua mãe apanhando. Esqueceu de toda fé, esperança e amor que carregava em seu coração. Agora só conseguia sentir ódio. Jogou o Inquisidor no chão e começou a bater nele. Fazia isso com muita fúria, como que para compensar todas as vezes que quis e não pode defender sua mãe.
Logo chegou um carro preto com a cruz característica dos Inquisidores. Três homens saíram de dentro dele e subjugaram Pedro que foi levado, ainda lutando, para dentro do veículo.
Andando de um lado para outro na cela suja e mal iluminada, Pedro tentava entender o que estava acontecendo.
"Que lugar é esse!?" Gritava. "Isso não é o paraíso?! Não pode ser! Eu vim para o Inferno! Ou será que estou sonhando? É isso... Tudo isso é um longo pesadelo sem fim."
Havia apenas mais um homem na cela, que acompanhava calado a agitação de Pedro, até aquele momento: "Um: você não está sonhando. Dois: Isto é sim um pesadelo e três: não existe inferno, portanto, estas no céu mesmo."
"Não pode seeer!" Gritou Pedro.
"Mas eu te garanto que é. Olha calouro, estou aqui há várias vidas humanas e sei bem como as coisas funcionam. O Inferno não existe mais, mas já existiu. Há muito tempo. Muito antes deu vim para cá.
"E o que houve?" Perguntou Pedro.
"Não sei ao certo, mas deve ter sido bastante útil, para ambos os lados, esta unificação." O homem acendeu um cigarro e começou a fumar.
"Você que diz saber tanto...” Continuou Pedro inquieto. “Em que nós trabalhamos todos os dias naquela fábrica?"
"Não percebe, meu caro? Em nada.”
“Como assim?!”
“Em absolutamente nada. Algumas profissões são verdadeiramente úteis: Inquisidores, recepcionistas, guias e motoristas de ônibus, mas a imensa maioria trabalha por nada."
“Por que?"
"Para manter a fé. A crença em um propósito maior é a única forma que existe para que essa massa de pessoas não questione o motivo pelos quais alguns trabalham e outros não. Por que a vida eterna de uns é tão boa e a de outros tão ruim."
"Como que Deus permite isso?"
"Não sei. Comigo é assim: eu não me meto com Ele e Ele não se mete comigo. Durante minha estadia na Terra tentei garantir o que era meu, a minha sobrevivência, custe o que custar. Aqui não é diferente, rapaz."
"Não pode ser. NÃO PODE SER!" Gritou Pedro batendo em uma das paredes. "Eu preciso falar com Deus. Eu preciso entender o porque disso tudo!"
O homem deu uma risada, um trago no cigarro e disse: "Não se fala com o Chefe assim. Mas se você quiser muito, eu conheço uma forma..."
Os dois prisioneiros fugiram através de uma passagem secreta que só aquele homem conhecia. Andaram por túneis subterrâneos escuros, frios, fétidos e assustadores. Quem diria que haveria lugares tão podres em pleno paraíso. Eles caminharam por horas, até que o homem parou.
"Aqui em cima é o palácio real. A Santa Casa do Senhor. Eu ainda acho que isto é uma loucura, mas o que pode acontecer com você? Morrer?" E riu satisfatoriamente.
"Eu vou entrar." Decidiu Pedro.
Precisava entender o motivo daquilo. Descobrir se, de fato, tudo o que ele aprendera em sua vida na Terra estava errado.
"Antes de ir, toma isto." O homem tirou da veste uma pistola calibre 38. "Esse é de um dos meus contatos na Terra. Utilidade nenhuma, mas vai que assusta alguém. Você fica me devendo essa, heim rapaz."
"Pode deixar."
Pedro passou por um buraco e se viu no hall de um salão imenso e ricamente decorado. Subiu correndo uma das escadas. Não sabia direito para onde ir, mas seguiu seu instinto. Entrou em um grande corredor onde no fundo havia uma porta com uma placa escrita uma simples e poderosa palavra: Deus. Pedro hesitou um pouco. Será que ele estava preste a realizar o sonho de todo ser vivo e não vivo deste e de outro plano? Será que ele poderia ter o mesmo privilégio que teve nosso Senhor Jesus Cristo e falar diretamente com Deus? Como será que é Deus? O que ele fará para Pedro? Todas essas questões só poderiam ser resolvidas de uma forma.
Ele então juntou toda sua coragem, avançou até a porta, fechou os olhos e a abriu de supetão.
Uma forte luz o cegou temporariamente e ele não pode ver quem estava lá. Quando se acostumou com a claridade, viu que a luz vinha da janela, onde o sol batia. A sala era redonda, com decoração fina e uma grande mesa de carvalho no centro. Atrás desta mesa estava um homem de terno e gravata, cabelos e barba branca. Na sua frente, em uma cadeira menor, estava jovem magro, de cabelos pretos bem penteados com gel. Ambos fumavam charuto e bebiam um vinho caro. Eles observavam com estranhamento o invasor.
"Humano!" Disse o homem de cabelo preto.
Pedro deu alguns passos para frente olhando fixamente para o homem de barba branca. Quando finalmente conseguiu falar perguntou:
"Deus?"
Os dois homens riram prazerosamente.
"Quem é você, meu filho?"
"Me chamo Pedro e tenho muitas perguntas para o Senhor."
O homem levantou-se de sua cadeira e foi cumprimentar Pedro. "Me chamo Jammes. Na terra era um grande empresário, dono de muitas fábricas na Europa, na África e na Ásia. Quando morri em 1909, achei que era o fim de minha bela vida. Como eu estava enganado... Sou apenas um homem. Como você. Não sou exatamente quem você procura."
"E onde está Deus?" Perguntou Pedro sem entender.
"Agora eu estou no lugar dele. Quero saber o que você está fazendo aqui. De que área você é?"
"Aposto que é da Área Laranja.” disse o mais jovem.
"Quem você pensa que é para tomar o lugar de Deus?!" Disse Pedro enfurecido. "Então foi você quem transformou esse lugar em um inferno! É você que põem a gente para trabalhar sem qualquer objetivo, enquanto fuma e bebe! Quando Deus souber,..."
"DEUS ESTÁ MORTO!" Gritou Jammes com altivez.
Pedro sentiu como se seu coração derretesse.
"Você,..." Gaguejou.
“Claro que não! Não sou tão poderoso. Fomos todos nós que o matamos! Há muito tempo. Muito
antes deu vim para cá. Foi quando as primeiras pessoas resolveram que seria uma boa usar seu nome para fins pessoais. Quando a Igreja construiu seu império com sangue e os ossos em nome da suposta palavra de Deus, ele já estava morto! E eu? Eu salvei esse lugar! Antes de mim, isto era uma bagunça, abandonado às baratas! Eu tornei isto eficiente. Dei uma vida eterna boa para aqueles que sempre tiveram e mereceram uma vida boa! Dei um propósito para aqueles pobres miseráveis que não tinham pelo que viver. Vocês já estavam acostumados com o trabalho pesado, mas agora fazem por fé. Este lugar é um paraíso sabe porque, Pedro? Por que é igualzinho a Terra. É o nosso paraíso."
Pedro olhou no fundo dos olhos do homem que se colocara no lugar de Deus. A dor que sentiu foi mais forte do que tudo que já passara. Não sabia mais o que fazer. Foi então que se lembrou do que carregava escondido e sacou o revólver. Os dois homens olharam sem demonstrar qualquer reação. Pedro engatilhou a pistola, apontou para a própria cabeça e atirou.
Sentiu seu rosto bater contra o chão frio quando caiu. Sentiu o sangue quente escorrer por seu rosto e sujar o fino mármore da sala. Viu os dois homens o olhando e sorrindo e só então compreendeu o óbvio: jamais poderia se matar, pois já estava morto. Uma lágrima escorreu e se misturou ao sangue inútil esparramado. Imóvel, viu o homem de cabelo preto se levantar e ir cumprimentar Jammes. Sua sombra na parede revelava algo que não era visível: Um rabo comprido e chifres em sua cabeça.
"Vida eterna... Adoro essa palavra.” Disse ele. "Chefe, nem eu poderia fazer um lugar melhor."
Então Pedro viu quem agora mandava no céu: os mesmos que mandam a séculos na Terra.
quarta-feira, 13 de outubro de 2010
Segundo turno: E agora?
As eleições presidenciais do Brasil em 2010 foram mais uma vez para o segundo turno, contrariando o que mostravam a maioria das pesquisas eleitorais e o que acreditavam, aparentemente, a maioria das pessoas.
No primeiro turno o PSOL, com seu representante: Plínio de Arruda, teve papel fundamental denundo a lógica do sistema eleitoral brasileiro e denundo as poucas diferenças que existiam entre os três candidatos majoritários: Dilma, Serra e Marina.
Nossa votação, a esquerda como um todo, não alcançou 1% das intenções de voto, porém nada abaixo do esperado. Como havíamos dito, a lógica eleitoral na democracia burguesa, permite que apenas os candidatos que se vendem ao jogo eleitoral consigam ter uma mínima chance de chegar ao mais alto cargo de poder no Brasil. Sendo assim, como a campanha do PSOL para o Plínio, e dos candidatos da esquerda combativa em geral, não aceitaram dinheiro de empresários, como os três outros aceitaram, não utilizamos nenhuma militância paga, como os três outros utilizaram, não fizemos alianças com partidos burgueses, claramente de direita, como os outros três fizeram, não seria possível, dentro da lógica eleitoral, termos uma votação expressiva.
Não seria possível, pois a democracia tem esses e mais alguns outros mecanismos para garantir sua preservação da ordem social atual. Você só ganha caso se venda ao jogo. Sendo assim, sempre os candidatos mais votados serão aqueles que se comprometem em manter e perpetuar o sistema capitalista. Perpetuar o sistema de opressões, de avanço neoliberal contra os direitos historicamente conseguidos pela classe trabalhadora, de criminalização de movimentos sociais e da pobreza em geral e de tudo aquilo que o capitalismo representa.
Digamos que um personagem fictício dormiu por 8 anos e acordou na véspera do segundo turno para votar, sem analisar em nada o que foi o governo Lula, ainda assim ele poderia ter alguma idéia vendo as chapas que estão na disputa dessa fase da eleição: PT X PSDB. Opa! Isso aí eram coisas bem diferentes até 2002! Continuando: DEM X PMDB. Como assim? PMDB não é o partido de Sarney e companhia? O Sarney que apoiou a ditadura militar até o último momento? O PMDB dos latifundiários e dos mega empresários como Michel Temer? O que? Michel Temer é o vice do PT? Mas este não é o mesmo PMDB que apoiou o governo FHC, que privatizou setores estratégicos da nossa economia, que avançou mais que nunca na política econômica neoliberal contra a classe trabalhadora e que o PT sempre fez oposição ferrenha?
Bom, mas outros partidos da burguesia direitista, como PR, PRB, PTN, PPS, PTB, PMN e PT do B, estão apoiando quem? Os dois? Não dá para entender mais nada. Esses partidos não defendem privatizações, neoliberalismo e etc não deveriam estar apoiando só o PSDB/DEM? Porque parte deles apóiam o PT?
Por fim, no auge do susto ao acordar 8 anos depois, eu me agarro na esperança de que pelo menos a figura sozinha do Lula, não traia sua origem petista. Não me diga que o candidato do PT não é Lula? É a Dilma? Dilma não era do PDT até 2001 e se filiou ao PT para ocupar um cargo no governo estadual de Olívio Dutra?
É isso aí, meu caro personagem fictício dorminhoco. Mas caso você tivesse tido a oportunidade de presenciar os oito anos de governo Lula/PT não se surpreenderia com nada disso. Uma das primeiras ações do governo Lula, em 2003, foi a reforma previdenciária. Reforma esta, que o PT lutou contra durante toda a sua história política e que assim que virou governo, devido ao seu compromisso com os banqueiros, empresário e partidos da elite com o qual se aliou, aplicou.
Militantes históricos do PT não admitiram essa traição e no parlamento votaram contra o ataque a esse direito historicamente conquistado: Heloisa Helena, Baba, Luciana Genro e centenas de outros foram expulsos do PT por serem coerentes.
Isso foi uma prévia dos oito anos seguintes. Estou convencido que o governo Serra (que concorreu em 2002 contra o Lula) teria sido diferente deste governo. Serra teria dado continuidade a uma política bem perigosa para a manutenção do sistema, com privatizações descaradas e sem apoio popular. Porém, mas uma vez na história do capitalismo, o sistema consegue se renovar e se preservar. Para isso a eleição de Lula foi essencial.
Essencial, pois Lula/PT fez a reforma da previdência, deu continuidade a política econômica neoliberal de FHC fazendo com que os banqueiros tivessem os maiores lucros desde muitas décadas. Tentou atacar o direito à greve, perseguiu sindicatos históricos e de luta, como o sindicato nacional dos professores (ANDES), que teve seu registro cassado, criminalizou a greve do INSS a pouco tempo atrás, uma greve para manutenção de direitos. Lula manteve o veto presidencial de FHC ao PNE (Plano Nacional de Educação) que destinava 7% do PIB para a educação (a proposta dos movimentos sociais é de 10%), manteve apenas 3% do PIB, fez o decreto do REUNI, que sob uma capa de expansão da universidade, ataca sua qualidade com metas como: 90% de taxa de conclusão; dissociação do tripé ensino-pesquisa-extenção; aumento do número de alunos 100 vezes maior que o número de professores. O governo petista permite que a PETROBRAS (empresa que é apenas 30% estatal) continue realizando os leilões do petróleo, dando nossa riqueza, inclusive a riqueza do pré-sal, nas mãos das grandes multinacionais estrangeiras.
Porém, ao mesmo tempo em que o governo aplicou essa política de manutenção dos avanços neoliberais, de perseguição e de tudo aquilo que o capitalismo tem direito, Lula realizou uma política assistencialista eficiente, com a bolsificação de toda vida de uma parcela grande da população. Lula pegou os projetos sociais do governo FHC e fez com que eles realmente acontecessem. Essa política tirou milhares de pessoas da linha da miséria e elevou para a linha da pobreza. Pessoas que morriam de fome passaram a ter um mínimo pra comer. Isso é somado ao carisma pessoal do presidente Lula que no imaginário popular, foi o responsável por essa pequena melhoria em suas vidas. Pequena melhoria, mas única melhoria que eles tiveram em muito tempo.
Se contarmos também que os movimentos sociais históricos como a CUT e a UNE perderam totalmente sua democracia interna e autonomia para com os governos e passaram a simplesmente aplicar as políticas federais, isso deixou a classe trabalhadora de joelhos perante o governo e explica não só os 80% de aprovação do governo Lula, como também que a esquerda combativa, que diz que é preciso, sim, ter uma política emergencial, mas que ela seja transitória e acompanhada de uma política real de distribuição de renda, tirando do lucro dos mega empresários e fazendo uma reforma agrária efetiva, que essa esquerda tenha tido menos de 1% dos votos.
Para quem acha que o grande diferencial do Lula foi a política externa, é preciso por um pé atrás. É claro que não queremos voltar a uma política subserviente aos Estados Unidos, como na era FHC, mas devemos condenar veementemente a política sub imperialista que o governo Lula aplica na América Latina. Devemos condenar a intervenção da ONU no Haiti, com tropas brasileiras que reprimem e matam a população mais pobre da América Latina. Condenar a política sub imperialista do Brasil na Bolívia, no Paraguai, na Argentina e em outros países. Condenar o apoio político ao governo machista, homofóbico, opressor e assassino de Ahmadinejad no Irã. Não é a toa que Obama disse que “Lula é o cara!”. Na nova estratégia imperialista do governo Obama, Lula é uma peça chave, pois diferentemente do Bush, ele aposta no diálogo e na mediação para manter seu império.
O capitalismo triunfou novamente! Caso a política de FHC continuasse do mesmo jeito no governo Lula, coisas “terríveis” poderiam acontecer. Os ataques de FHC à classe trabalhadora, as privatizações descaradas e tudo isso estava gerando cada vez mais descontentamentos, em um cenário na América Latina perigoso, onde movimentos de massa levaram governos progressistas e anti-imperialistas ao poder na Venezuela, Bolívia e Equador.
Assim como a perpetuação da ditadura militar na década de 80 representava um risco para a perpetuação do sistema e a solução foi uma passagem para a democracia de forma negociada e sem revanchismos, preservando a estrutura de poder, a perpetuação da estratégia política-econômica-social do governo FHC, representava um risco ao projeto capitalista e foi preciso mudar essa estratégia. A nova estratégia é a política econômica-social do governo Lula, que calou os movimentos sociais, cooptou a classe trabalhadora, e reprimiu quando tinha que reprimir, ao mesmo tempo em que satisfez os grandes empresários e banqueiros.
Lula dá ajuda assistencialista, ao mesmo tempo em que o setor informal cresceu. O trabalhador está satisfeito, pois ganha uma bolsa que lhe permite comer, mesmo que com um emprego precarisardo e sem garantias sociais. É mais barato pagar bolsas do que ampliar a previdência social. Enquanto empresários da educação vibram com as políticas educacionais do governo, os empreiteiros vibram com o PAC, os banqueiros vibram com a dívida interna.
A nova estratégia de preservação do sistema deu certo e certamente será mantida! Caso você acredite que as bolsas e ajudas assistencialistas em geral devem ser um fim em si mesmo, e que não tem problema que elas venham acompanhadas de uma política de enriquecimento de banqueiros e empresários, sem reforma agrária, sem distribuição real de renda, eu garanto para vocês: Essa política está assegurada! Não só porque Dilma deve ser eleita, mas principalmente pela certeza de que Serra jamais irá mudar essa estratégia que deu certo!
Serra defende um projeto de país neoliberal e capitalista, e por isso mesmo ele não é louco de mexer na bolsificação do governo Lula, pois essa, como foi dito, acalmou os trabalhadores e garantiu a perpetuação do projeto do FHC.
Mas se você teme as privatizações, as precarizações do ensino público, os ataques aos direitos trabalhistas, as perseguições aos movimentos sociais combativos, para você que acredita que deveríamos ter uma distribuição de renda e de terras reais, que permitissem a emancipação da classe trabalhadora, para você que acredita que o poder deveria ser radicalmente democratizado, para você que acredita que a classe trabalhadora deveria gozar de liberdade, então você deve ter muito medo dos próximos quatro anos, pois com Serra ou Dilma, isso tudo vai continuar.
Dilma já anunciou que irá fazer a reforma da previdência se eleita. Se você assistiu aos programas eleitorais e aos debates, acho difícil encontrar uma diferença no que falaram Serra e Dilma. No debate da Globo no primeiro turno, respondendo uma pergunta do Plínio, Dilma disse que está ali para defender a propriedade privada e a ordem. Eu já ouvi esse discurso antes e te garanto que não era de ninguém de esquerda.
A estratégia eleitoral da campanha do Serra foi o terrorismo mentiroso em relação ao PT. Eles diziam: “Lula fez um bom governo, pois foi capaz de segurar o PT. Mas será que Dilma conseguirá?”, tentando passar a idéia de que não era o PT que estava aplicando toda essa política, mas sim o Lula sozinho. Mas era o PT, juntamente com seus aliados do PMDB, PR, PRB e etc que aplicaram esta política que Serra/PSDB/DEM tanto admira.
Escrevo esse texto para todos aqueles que sonham com uma sociedade diferente. Uma sociedade justa e livre de verdade. E por causa disso digo para essas pessoas muito mais do que simplesmente votar nulo no segundo turno. O voto nulo não vai mudar o fato que o projeto da burguesia continuará, independentemente com quem, mais quatro anos no poder. Para você que sonha e acredita, digo para se organizar coletivamente e lutar para defendermos antigos direitos e avançarmos em novos. Avançarmos para uma mudança real das estruturas de poder que oprimem os trabalhadores há séculos.
Vamos lutar no dia a dia com ardor e unidade. Pois, somente se unificarmos a esquerda combativa contra o projeto vencedor dessas eleições, que é o projeto dos empresários, dos banqueiros, dos capitalistas internacionais e nacionais, poderemos ter alguma influência nos rumos da nossa sociedade.
Renan
Democracia burguesa: À quem servem as eleições
Diferente do que acreditavam muitos, as eleições presidenciais de 2010 foi para o segundo turno entre os candidatos do PT/PMDB (Dilma) e PSDB/DEM (Serra).
Mas antes de fazer um debate a respeito das diferenças e similaridades entre os dois candidatos, acredito ser mais importante começar debatendo sobre o que é a democracia eleitoral burguesa e a quem serve.
É fundamental para a esquerda socialista que disputa taticamente as eleições burguesas, não deixar de fazer essa discussão e não cair no pragmatismo eleitoral puro, simples e degenerado.
O capitalismo já passou por diversas crises ao longo dos seus séculos e se hoje ainda vivemos em um sistema onde o homem explora o homem, é porque de alguma forma o capitalismo sobreviveu. Com o passar do tempo, o capitalismo se modernizou e se atualizou inventando novas formas de auto manutenção e de exploração, diferentes das
anteriores, mas tão ou mais brutais que antes.
Na metade do século XX, o imperialismo americano atuou de diversas formas para manter seu domínio capitalista. A partir do pós Segunda Guerra foram feitos investimentos maciços para a reconstrução da Europa e do Japão, ajudando essas economias a se reerguerem e afastando o risco de que os comunistas avançassem em meio a crise. Na Europa, a social democracia serviu como uma luva para o capitalismo, dando alguns direitos essenciais para a classe trabalhadora, para que essa não desejasse uma emancipação efetiva, uma liberdade real e um controle sobre seu próprio caminho e história.
Na América Latina a alternativa foi o financiamento e a ajuda efetiva de golpes militares para derrubada de governos de esquerda ou progressistas, além da perseguição brutal não só daqueles que apresentavam uma alternativa anti-capitalista, como também daqueles que preservavam a ordem, mas fugiam do controle do imperialismo ianque, como é o caso do peronismo.
Com a queda do muro de Berlim e o risco soviético solapado da realidade concreta da classe trabalhadora, juntamente com o fato de que as ditaduras civil-militares encontravam desgastes internos graves, o apoio a esses regimes era não só mal visto, como apresentava um risco ao sistema capitalista conforme as insatisfações aumentavam.
A passagem para democracia foi então lenta, negociada e sem revanchismos, de forma que nas novas democracias se preservassem a estrutura de exploração que sempre existiu. Porém, a possibilidade virtual de que qualquer um pode montar um partido e se candidatar aos cargos públicos trazia um risco de que, através do próprio sistema, alternativas anti sistêmicas fossem levadas ao poder.
Novamente o capitalismo mostra sua força e sua capacidade de adaptação as novas realidades. Mesmo existindo essa teórica liberdade democrática, alguns mecanismos permitem que o sistema se preserve e a possibilidade real de que alternativas anti-capitalistas cheguem ao poder de fato, sejam nulas ou quase nulas.
Isso acontece em todo o mundo democrático burguês. No Brasil, especificamente, percebemos que apenas as campanhas milionárias conseguem se eleger. Isso deve-se ao fato de que, com muito dinheiro, os candidatos conseguem maior visibilidade. No mundo contemporâneo, a imagem é de suma importância. Vivemos numa sociedade onde a imagem está presente em tudo e tudo é espetáculo. O importante é muito mais o visual que o próprio conteúdo. Isso serve também para as eleições. Os candidatos com muito dinheiro conseguem contratar marqueteiros consagrados que irão fazer uma campanha magnífica, em termos técnicos e cinematográficos.
A mídia, no dia a dia, estimula esse tipo de comportamento com seus programas e filmes cada vez mais espetaculares enchendo nos olhos com a magnífica tecnologia visual que nos prende a atenção e nos maravilha. Durante o espetáculo das eleições, não conseguimos dar valor a campanhas que não encham nossos olhos de imagens, cores e cenas espetaculosas.
E da onde vem o dinheiro para fazer essas campanhas espetaculares? Financiamento privado. Empresas como bancos, empreiteiras, empresas de transporte e etc, investem pesado nas eleições. Os bancos que doaram 10 milhões para cada um dos principais candidatos de 2006 (Lula e Alckmin), não fizeram isso por ideologia ou concepção de país, mas sim porque, quando esses candidatos vencem, precisam retribuir o imenso investimento que esses empresários deram a eles. Não surpreende, portando, que os últimos candidatos que venceram as eleições majoritárias no Brasil inteiro tiveram investimento massivo de empresários e fizeram governos que beneficiaram muito esses empresários.
Outra forma de garantir que nenhum candidato socialista chegue ao poder, ou consiga divulgar suas idéias de forma ampla, é o horário eleitoral gratuito. Esse espaço público na TV é importante e necessário (algo que não existe nos EUA, por exemplo), mas conseguiram transformar até mesmo isso em algo desproporcional e anti democrático. O tempo não é dividido igualmente (isso por si só já é bizarro), e o critério de quem vai ficar com mais tempo ou menos é definido pelas alianças e pela bancada parlamentar.
Ou seja, caso você queira ter um grande tempo na TV, você precisa se aliar de preferência com aqueles partidos que tem uma grande parlamentar. Caso seu próprio partido queira ter uma ampla bancada parlamentar, precisa contratar um bom marqueteiro para fazer uma propaganda bastante espetaculosa e eleger muitos candidatos. Esses marqueteiros são MUITO caros e a própria campanha, para ser grande, é muito cara, então você precisa de dinheiro e, portanto, você precisa aceitar o investimento dos empresários. Sendo assim, mesmo que eu ache que o capitalismo deve ser derrotado, se eu acreditar que devo fazer isso por dentro do
Estado, preciso ter tempo de TV e para ter tempo de TV, preciso ter bancada parlamentar e aliados fortes e para ter bancada, preciso de uma campanha grande e para uma campanha grande, preciso de muito dinheiro que, nessa quantia, só pode vim de mega empresários.
Opa! Será que alguém aí percebeu que, mesmo eu sendo um socialista convicto, caso acredite que devemos chegar ao poder através das eleições, tenho que me integrar ao jogo eleitoral elitista e não democrático? Será que me integrando a esse jogo eleitoral eu conseguirei depois falar para os meus aliados de partidos da burguesia e para os empresários que investiram em mim, que meu governo será contra eles?
Esta é a auto preservação do capitalismo no sistema “democrático”. E assim, a classe trabalhadora vota e vota, eleição após eleição e percebe que nada muda na sua vida.
Não fica difícil, portanto, de entender aqueles que aceitam vender seu voto, pois é
a única maneira de conseguir algo com a eleição. Nos bairros mais pobres, todas as casas têm placas de candidatos que pagaram para porem seu nome e número ali. Isso é estimulado pela própria mídia que vende a idéia de que democracia é, a cada dois anos, você escolher o cara que vai te representar politicamente. A pessoa que irá fazer a política por você e o seu papel é de mero fiscal.
Não fica difícil também entendermos que a classe trabalhadora, no meio de um processo constante de alienação da classe dominante (que tem na grande mídia sua maior aliada), quando suas condições de vida melhoram minimamente, o responsável receba todo e sincero apoio. Mesmo que na política geral, os mais ricos tenham ficado cada vez mais ricos, direitos históricos tenha sido, eu estejam em processo de retirada, que setores discordantes sejam perseguidos. Mas o cara, que antes quase não tinha como comer, recebe uma assistência e pode assim comprar um pouco de alimento.
Esse cenário cria um imenso desafio para a esquerda socialista combativa. Como chegar até esse trabalhador e dizer que sua vida melhorou um pouco, mas que ele precisa se organizar e lutar porque sua vida pode melhorar muito, e ele pode ter liberdade de fato? Como dizer para ele que conseguir dinheiro para comer não é tudo, e que liberdade de fato seria ele não se preocupar com comida, ter tempo e oportunidades de lazer, emprego garantido e salário digno? Como falar para aluno do PROUNI, que antes não poderia estar na Universidade, que na verdade ele deveria estar era numa universidade pública de qualidade (se no início por um sistema paliativo, no final por acesso direto)?
O mais importante para os socialistas é estarem, prioritariamente, atuando no dia a dia da classe trabalhadora. No seu local de trabalho, ou de moradia, nas ocupações urbanas e rurais, nos sindicatos ou nas oposições sindicais, nos diretórios e centro acadêmicos. E nas eleições, usarmos, sem jamais nos vendermos ao jogo eleitoral degenerador, esse espaço mínimo onde se debate minimamente política, para denunciarmos e apontarmos saídas reais. Dizermos que algumas pequenas melhorias são boas, sim, mas o que nós queremos melhoras de fato e não ajudas assistencialistas e personalistas que servem como um calmante social.
Precisamos defender que existam bolsas emergenciais para os mais miseráveis, desde que isso seja uma política de transição e seja acompanhada de uma política de democratização radical do poder, e medidas distributivas que tire o lucro dos mega empresários e a terra dos latifundiários e não reforce isso, pois só assim as medidas paliativas não irão ser o fim em si mesmo, como têm sido nos últimos governos e a distribuição de renda poderá ocorrer concretamente.
A direita e o capitalismo, seja de que pseudo lado esteja nessas eleições, irá manter a política de “bosificação” com os lucros exorbitantes de banqueiros e empresários, pois essa é uma medida de auto preservação do capitalismo que deu certo e que não deve ser mudada (isso no centro da América Latina, onde logo ao lado a população está se organizando e reivindicando avanços). Dessa forma o capitalismo se renova e mantém e manterá sugando o sangue e o suor da maioria explorada da população.
Renan Soares
terça-feira, 25 de maio de 2010
Memórias de um Operário Menos Conhecido
Meu nome é José Nascimento da Silva e vou contar agora a história de parte da minha vida.
Tudo começou há muito tempo quando eu ainda era um moleque de 10 anos de idade e vivia com minha mãe Márcia e minha vó Leocádia numa comunidade pobre de uma grande cidade. Minha mãe, empregada doméstica, saía as quatro horas da manhã para ir trabalhar e me deixava aos cuidados da minha vó que me arrumava e me levava para a escola.
Eu gostava de ir para a escola. Era lá que via meu melhor amigo Roberto. Roberto era um garoto muito esperto e companheiro, admirado pela maioria das pessoas, mas somente eu tinha o privilégio de receber o título de seu Melhor Amigo. Sempre o chamava de Beto, mas as outras pessoas costumavam chamá-lo de Azulão, devido a sua pele tão negra que mais parecia um azul escuro. Beto não ligava, na verdade até gostava, dizia que era mais fácil ganhar dos “pálidos” no pique-esconde, brincadeira que de fato ele era mestre.
Na verdade era difícil achar algo que Beto não era bom. Diferente de mim que sempre fui uma negação nos esportes, Beto era o primeiro a ser escolhido na pelada diária depois da escola.
Foi numa dessas peladas que nossa calma vida de moleque sofreria uma reviravolta impressionante.
O jogo já havia começado no campinho de terra perto de nossa casa. Eu buscava meu melhor posicionamento no campo, o mais distante possível de qualquer chance de passe ou outra participação na jogada e Beto já havia feito 2 dos 4 gols da vitória parcial de nosso time por 4 a 1. Foi quando ouvimos o pipoco característico de dois tiros seguidos de um. Mesmo naquela época, já estávamos acostumados com esse tipo de som, mas o que chamou nossa atenção dessa vez foi a direção dos disparos.
Beto morava com a mãe e o pai a três casas da minha. Minha mãe não gostava muito da minha amizade com Beto, pois dizia que falavam por aí que os pais deles eram envolvidos com coisa ruim. Na casa deles, de vez em quando e na maioria das vezes de madrugada, apareciam pessoas de fora da comunidade e ficavam lá dentro um tempão até saírem também escondidos. Beto nunca falava sobre isso e eu também não perguntava muito. Porém, as vezes que vi seus pais, eles me pareceram pessoas muito boas.
Como eu ia contando, era de lá que viam os disparos... Eu e Beto imediatamente abandonamos o jogo, apesar dos protestos de alguns mais lesados. Corremos lado a lado – mentira, ele correu bem à frente, é obvio, e eu fui tentando alcançá-lo. Quando viramos a esquina vimos as sirenes da polícia e um monte de curiosos que já se aproximavam do local e o local, como temíamos, era na frente da casa do Beto.
Beto sempre soube, desde o momento que ouviu os disparos, que eles vinham de lá, mas desejava estar errado. Quando finalmente cruzei pelos curiosos em volta do local vi Beto parado, aparentemente sem reação olhando a cena. Nunca mais vou esquecer disso... Apesar de sua aparente falta de expressão, vi quantos sentimentos estavam em seus olhos enquanto mirava para seu pai e sua mãe deitados numa poça de sangue. O pai jazia deitado sobre o corpo da mãe. No corpo dela havia dois tiros no peito e no pai um tiro na nuca. De dentro da casa os policiais tiravam muitos papéis e três armas: duas pistolas e um rifle. Na roda de curiosos muitos comentavam coisas como: “Eu sempre soube que eles não eram boa gente.”, “Aposto que vendiam drogas.” e até mesmo: “Não duvidaria que o filho estivesse nessa também.”.
Nunca na minha vida, até aquele momento, havia sentido tanta raiva como eu senti daqueles abutres. Não sabia e nunca soube o porquê os pais do Beto foram mortos e mesmo tendo, um grande jornal, no dia seguinte estampando na capa a frase: “Terroristas mortos”, eu não conseguia ver maldade naquelas pessoas.
Minha mãe chegou mais cedo do trabalho, pois havia recebido a notícia de um vizinho fofoqueiro. Veio direto até mim e me puxou arrastando para fora do tumulto, escapei de suas mãos, corri até Beto, lhe dei um abraço não correspondido e falei assim no seu ouvido: “Eu nunca vou te abandonar Beto!”, ele nada respondeu e continuou ali parado enquanto minha mãe me arrastava e tagarelava no caminho para casa.
Beto foi para a casa da tia que ficava do outro lado dessa mesma comunidade. Continuamos nos vendo na escola até o final daquele ano, mas nunca mais voltamos juntos para jogar a tradicional pelada depois da escola. Beto dizia que sua tia não deixava e que agora ele morava mais longe, mas sei que ele também não andava com ânimo para mais nada, o que não era surpresa. Eu me sentia triste por não saber como ajudar.
Nas férias de verão daquele ano fui visitá-lo duas vezes. Brincamos um pouco e eu voltava antes que escurecesse. Minha mãe não gostava da idéia, mas deixava quando eu insistia muito e as vezes ia escondido. Mesmo brincando de tudo que brincávamos antes Beto não parecia mais o mesmo.
No primeiro dia de aula do ano seguinte esperei por ele e não o vi. Esperei uma, duas semanas sem ter notícia. Decidi que ia passar na sua casa depois da aula sem que minha mãe ou minha vó soubessem. Chegando lá encontrei a casa vazia sem ninguém. Sentei na soleira da porta e esperei, esperei e esperei. A noite já avançava muito e eu não tinha mais nenhuma esperança de encontrá-lo quando o vi chegando. Beto me explicou que agora estava trabalhando na mesma indústria que seus pais trabalharam. Sua tia o obrigou, porque as despesas aumentaram muito com sua presença lá. Ela passava dias fora de casa e depois dias em casa sem fazer nada, Beto não tinha a menor idéia do que ela fazia. Disse também que o trabalho é pesado, difícil, muito cansativo e que seu salário vai todo para pagar as contas e comprar comida. Beto guarda cinco reais todo mês para alguma emergência.
Conversamos até muito tarde, para desespero da minha mãe, que me esperava acordada, chorando e não sabia se me batia, me beijava, me xingava ou abraçava quando eu cheguei.
Os anos se passaram e desde aquele dia eu não mais vi o Beto. Dois anos depois minha vó morreu quase no mesmo período em que minha mãe foi demitida. A vida tornou-se cada vez mais dura, a gente nunca saía para se divertir e passei a usar o fim de semana para descolar uns bicos e ajudar na renda de casa. Minha mãe fazia questão que eu terminasse a escola e assim fiz. Meio aos trancos e barrancos, mas consegui. Estava livre para procurar um emprego de verdade.
Tomei muita portada na cara. Muitos nãos. Trabalhei em diversos lugares e fui até camelô por um tempo. Mas meu primeiro emprego com carteira assinada foi numa fábrica perto dali. Esse foi um momento muito marcante na minha vida. Nunca havia esquecido meu amigo de infância Beto, mas essa era uma daquelas lembranças que pertenciam somente à um passado que hoje parecia tão distante. Qual foi minha surpresa ao ver Beto, o Azulão, ali entre os trabalhadores na linha de montagem da fábrica.
Beto quase não me reconheceu, e para falar a verdade ele também estava bem diferente, mas reconheceria aqueles olhos astutos em qualquer lugar. Nos falamos rapidamente, até sermos repreendidos pelo capataz que nos mandou voltar ao trabalho. Almoçamos juntos e rapidamente trocamos algumas idéias, mas o tempo de almoço também não era suficiente para amigos separados há 10 anos. No fim do turno resolvemos trocar umas idéias num bar que ficava nas redondezas tomando algumas cervejas.
O assunto rendeu algumas garrafas postas na conta do Beto, para desgosto do, com razão, desconfiado, dono do boteco que disse: “Só porque é você Beto e porque eu tinha muita consideração por seus pais.”. O assunto variou muito. Falamos dos tempos de criança, das travessuras, das brincadeiras. Falamos do período que não nos vimos, o que fazemos, os romances, e o dia-a-dia difícil do cotidiano do trabalhador. Falamos também de coisas do presente. Beto me disse que faz parte do sindicato e que lá conheceu diversas pessoas que eram amigas de seus pais e não só por isso, têm grande admiração por ele.
Ao falar disso, Beto parecia não estar mais exausto e com sono e seus olhos brilhavam da mesma forma que brilhavam quando íamos jogar bola depois da aula. Ele me disse que é difícil e que devemos tomar muito cuidado, mas que acredita que vale a pena porque um dia a vida dos trabalhadores negros e brancos pobres iria mudar! Confesso que era a primeira vez que eu ouvia coisas assim e que muito do que ele falou eu não entendi, mas só pela forma que Beto falava me motiva para seguir seus passos.
Nos aproximamos novamente e logo eu percebi o quanto Beto era popular naquela indústria. Bom, pelo menos entre os trabalhadores, o capataz e pelo que contam, o dono da fábrica que nunca víamos, não iam muito com a cara de Beto.
No refeitório havia uma grande imagem de um homem branco, com seus 40 anos, de terno e gravata, loiro e de olhos claros, com um sorriso no rosto. Diziam que aquele era o dono da fábrica e todos temiam aquele retrato que parecia vigiar-nos.
Conheci muitos amigos dele que compartilhavam do seu sonho de uma vida melhor para os trabalhadores e aos poucos fui entendendo como funcionava a dinâmica do sindicato.
Muitas vezes o patrão arrumava um jeito de boicotar e persegui os membros do sindicato e certamente Beto era um dos mais visados. Ele me explicou que já fora pior e que agora as coisas estavam mudando. A vez do trabalhador chegaria!
Pouco tempo depois os trabalhadores entraram em greve geral e eu acompanhei de perto a atuação de Beto e de outros líderes naquela greve. Lutávamos por melhores salários, melhores condições de trabalho entre outras demandas. Foi a coisa mais impressionante, assustadora e bonita que já tinha visto. Um mar de gente até onde a vista alcançava estava no pátio ouvindo Beto e os outros falarem. As faixas, as palavras de ordem, isso tudo me fez acreditar pela primeira vez que aquele mundo diferente que Beto tanto falava poderia, de fato, vim a ser real!
A greve durou vários dias e o governo declarou que aquilo era ilegal. Os trabalhadores decidiram não voltar ao trabalho. Depois foi feito um acordo e somado a exaustão de dias de luta, a greve terminou.
Infelizmente não só os patrões descumpriram o acordo como dias depois o presidente do sindicato, Beto e mais 16 sindicalistas foram presos e afastados do sindicato.
Me doeu no coração ver no jornal o dono da fábrica chamando os grevistas de vagabundos e oportunistas. Sabia que isso era mentira e que Beto não era assim.
Era esse tipo de dificuldade que Beto já havia me falado e me alertado. Ele me dizia: “Zé, as coisas serão muito difíceis. Ainda apanharemos muito antes de conseguir mudar tudo!”. Com isso em mente, em nenhum momento perdi minha fé em Beto e suas idéias.
O tempo foi passando. Disseram que o regime político havia mudado. Eu devo confessar que não notei tanta diferença. Na verdade, as coisas pareciam ficar cada vez mais difíceis.
Beto conseguiu voltar ao trabalho e a sua luta, mas pelos olhos dele eu sentia alguma coisa diferente. Isso me lembrou daquele olhar do dia em que seus pais foram assassinados. E eu não gostei disso.
Beto estava cada vez mais afastado de mim. Não fisicamente como quando éramos crianças, pois passávamos o dia todo juntos, mas o sentia longe. Seu discurso também foi mudando aos poucos. A sociedade que ele tanto sonhava e que seria tão difícil de conquistar, para ele estava cada vez mais próxima e cada vez mais fácil de chegar lá. Eu estranhava, porque não sentia mudanças significativas acontecendo.
Um dia Beto veio conversar comigo. Ele seria candidato nas próximas eleições e me chamou para participar da campanha. Fiquei feliz por ele, mas disse que seria muito difícil devido ao trabalho diário na fábrica. Beto então me disse que ia largar o emprego, pois estava ganhando para fazer política e que poderia me ajudar. Respondi que iria ajudá-lo sim, mas que continuaria na fábrica e ele aceitou.
Falei com muita gente, distribui muito panfleto no trabalho. Fazia isso, mas sentia que cada vez mais fazia pela amizade e não pela política. Tentei afastar esses pensamentos, afinal de contas Beto nunca iria desistir de mudar o mundo, pelo menos era o que eu queria acreditar.
Beto foi eleito e pela primeira vez o vi usando terno. Confesso que achei horrível, não combinava com ele, mas Beto adorou. Andava o dia todo com aquele terno quente. Ele me convenceu a ser seu assessor no gabinete. Os tempos estavam difíceis e o salário era o mesmo para trabalhar menos. Aceitei, mesmo com o pé atrás.
Outras eleições vieram e o Beto foi crescendo na política.
Outro dia aconteceu algo que me levou estar sentado aqui escrevendo minhas memórias. Algo que feriu e apertou meu coração, como se um trator passasse por cima dele. Eu havia perdido meu amigo Beto...
Estava em seu escritório quando ele recebeu os líderes de uma greve de professores por melhorias salariais, entre outras demandas. Fiquei curioso em assistir a reunião. Acreditava que aquilo poderia trazer o velho Beto de volta e que seria uma ótima oportunidade de conseguir vitórias pelas quais Beto e outros haviam sido presos e todos haviam lutado tanto. Foi quando aconteceu...
A Reunião estava num impasse. Os trabalhadores não queriam recuar em suas reivindicações mínimas e Beto teimava que elas eram utópicas. Em um momento de raiva Beto levanta e diz:
“Vocês são um bando de vagabundos e oportunistas! Saiam já de minha sala!”.
Foi um tiro no peito. Tão forte quanto o tiro que acertou a mãe de Beto há muitos anos atrás naquela comunidade pobre perto daqui. Mas esse tiro que acertou Beto foi dado por ele mesmo.
Voltei para casa arrasado. Sentei de frente para a televisão e fiquei assistindo sem assistir. Pensando no que acabara de acontecer. Derrepende, reconheci um antigo companheiro de sindicato que falava pela TV. Aquele terno também não lhe caia bem. Era da mesma marca que matara o Beto. Ele estava tão diferente. Não era somente a roupa chique ou a velhice. Não reconheci as palavras daquele velho companheiro como não reconhecia mais as do Beto.
Tomei uma decisão. Não consegui dormir essa noite, então sentei aqui e comecei a escrever essa carta que provavelmente nunca mostrarei para ninguém. Saindo daqui vou até o escritório do Roberto e acabarei com isso.
José saiu de casa e o sol havia acabado de nascer. Pegou o ônibus que levava até o centro da cidade, onde ficava o escritório de seu amigo de infância. Fez tudo isso como no piloto automático. Seus pensamentos continuavam viajando por aquela histórias que acabara de escrever, revivendo cada momento ao lado do falecido companheiro.
Subiu o elevador que dava na sala onde trabalhava. Chegara logo depois do Roberto que estava de costas olhando pela janela.
“Beto” – Chamou José, mas não conseguiu a atenção.
“Beto” – Insistiu um pouco menos tímido.
“Senhor?” – Tentou.
Roberto olhou para trás e viu que ali estava seu velho amigo de infância.
“Grande Zé! Estava agora mesmo pensando em você! Estava lembrando de quando éramos moleques e brincávamos de bola depois da aula. Você sempre foi um perna-de-pau!”.
“Quem diria, né Zé, que um dia chegaríamos aqui?”.
“Quem diria...” – Respondeu Zé cabisbaixo. “Beto... Tô fora. Não vou mais trabalhar com
você. Arrumarei um emprego. Não precisa me procurar.”
“Você está louco Zé?! Logo agora que conquistamos tudo aquilo que lutamos quando
trabalhávamos naquela maldita fábrica?! Você não pode desistir de tudo agora!”
“Não estou desistindo. Meu amigo Beto me ensinou que as coisas seriam muito difíceis, mas
que no final iríamos mudar tudo. Agora eu entendo o quanto difíceis essas coisas se tornaram. Mas um dia tudo vai mudar. Eu sei disso.”
“Mas as coisas mudaram! Quando na história desse país você teria um político sindicalista
negro e um presidente...”
“Sindicalista?” – Interrompeu José – “Negro? Olhe-se no espelho, Roberto.”
Dito isso José virou as costas e saiu porta a fora, sentindo-se muito aliviado, apesar de triste.
Ainda surpreso Roberto caminhou na direção de um grande espelho que havia em seu escritório. Mal conseguiu acreditar no que via. Encarando-lhe nos olhos, do outro lado do espelho, havia um homem branco, com seus 40 anos, de terno e gravata, loiro e de olhos claros, com um sorriso no rosto.
terça-feira, 30 de março de 2010
Serão Dilma e Serra iguais?
Dizer que o governo Lula foi igual ao governo FHC não é só errado, como também um problema tático gravíssimo. Assim como é provável que um governo Alckimin fosse diferente de um segundo mandato do Lula, mas isto não podemos estipular, ainda mais nós pretensos historiadores.
A questão é, quais são essas diferenças? Lula foi eleito em 2002 com amplo apoio dos movimentos sociais que apostavam no projeto democrático popular do PT e imaginavam que através do governo Lula poderíamos ter um freio ao neoliberalismo e uma política ligada aos movimentos sociais. Grande ilusão. Já em 2002 o PT mostrava para que veio, quando a principal meta do partido passou a ser a vitória eleitoral, coerente a tal projeto democrático popular. Para isso, aceitou-se aliança com partidos da burguesia e financiamento de campanha feito por grandes empresários. Alguns setores honestos do PT - pois a grande maioria já estava envolvida com essa nova concepção de que o mandato deve ser o principal foco - achavam que poderiam "bater uma queda-de-braço" com esses partidos burgueses aliados ao empresariado e ao capital internacional que olhava atentamente para o Brasil. Logo logo essa queda-de-braço mostrou-se o quão era desigual. A linha da "governabilidade" do PT fez com que o partido fizesse o jogo da burguesia e aplicasse uma política coerente com o capital internacional.
Porém a conjuntura histórica internacional e nacional era bem diferente da conjuntura da Era FHC. Na América Latina, via-se a chegada ao poder, atravéz das eleições burguesas, alguns governos reformistas que representavam um freio às políticas neoliberais imperialistas norte-americanas - como é o caso da Venezuela, da Bolívia e do Equador. No Brasil, apesar de algumas diferensas, os movimentos sociais estavam nas ruas fazendo a campanha de Lula em 2002 e não foi atoa que haviam milhares de pessoas em sua posse como presidente. Não eram pessoas que simplesmente estavam passando por lá e resolveram ficar. Lá estavam os movimentos sociais dando um recado: "Lula pode fazer, que nós garantimos!". A conjuntura, portanto, não era favorável à políticas dos tucanos de privatização explícita e vergonhosa dos bens nacionais.
Lula surge então como uma alternativa perfeita para o avanço tranquilo destas políticas. Aí está a grande diferensa entre os dois governos. Lula pega os esboços das políticas sociais assistêncialistas de FHC e aplica de forma real. É impressionante o número de pessoas atingidas pelas bolsas pelo Brasil a fora. Esta política, intimamente ligada a figura pessoal, carísmática e "com a cara do povo" - como dizia o lema da campanha de 2006 - de Lula, de fato tirou da miséria um número impressionante de pessoas. Onde se morria de fome, agora, com os cento e poucos reais do governo e uma cesta básica, isso não ocorre mais.
Ao mesmo tempo, aplica-se uma política voltanda para a burguesia. A Reforma previdênciária, por exemplo, que atingiu de forma mais bruta o funcionalismo público, se adequa perfeitamente as demandas do mercado. As privatizações continuam, como a da rede ferroviária, porém desta vez não é possível fazer um processo muito explícito. Os leilões do petróleo são, por exemplo, uma forma discreta de privatização. Entrega-se ao grande capital internacional a extração de uma grande reiqueza brasileira. O Pró-UNI, com a desculpa de possibilitar a entrada de pessoas da classe mais pauperizada na universidade, entregam esses estudantes para uma rede de ensino privada, cujo a lógica não é formar um cidadão crítico, mas sim formar, o mais rápido possível uma mão-de-obra para o mercado de treabalho. Isto junto com um crescimento assustador das universidades particulares nos ultimos 10 anos.
Segue a mesma lógica o projeto do governo federal para uma reforma universitária, o REUNI. Este, foi apresentado através de um decreto que estipula metas a serem cumpridas para que o dinheiro seja repassado para as universidades federais. Estas tinham um prazo para “escolherem” aderir ou não as metas, tendo em vista , é claro, que quem não aderisse não receberiam as verbas. Para além da forma autoritária que praticamente todas as universidades federais aprovaram o projeto – fazendo votação dentro de quartel, dentro do palácio de juntiça com PM na porta não deixando a oposição entrar, como foi no caso da UFF -, o projeto prevê o aumento de 100% do número de alunos nas universidades, com um aumento de 20% do números de professores, o que geraria salas de aula super lotadas. O tempo de graduação também seria reduzido. As metas também estipulam a dissolução do tripé ensino-pesquisa-extenção e um aumento para 90% de taxa de conclusão – superior a inúmeros países desenvolvidos – que levaria os professores, pressionados pela ameaça de não vinda das verbas, à uma não intitucionalizada aprovação automática, entre outras coisas. Essas metas tem um claro objetivo de ampliar o número de vagas nas universidades, aumentando o número de estudantes vindo das classes mais pobres da população, respondendo assim à uma demanda atual do mercado, de uma mão-de-obra mais qualificada. Esta qualificação é feita o mais rápido possível, para poder suprir esta necessidade do mercado, tranformnando a universidade pública numa verdadeira fabrica de mão-de-obra.
Desta forma, o governo apropria-se de bandeiras históricas dos movimento sociais, distorce para que sirvam para os interesses do capital, e aplica na sociedade. Para isto conta com a ajuda de organizações de base como a UNE e a CUT, que devido a suas direções majoritárias, que não só são do PT e dos partidos governistas – como o PCdoB- , como também passaram a compor formalmente este governo. Extremamente burocratizadas tornaram braço direito do governo, aplicando no movimento as políticas ditadas pela presidência, acabando assim com a independência política que estas organizações devem ter com os governos.
A crise econômica que, segundo o governo, não atingiu o Brasil, fez e ainda faz vítimas dentro da classe trabalhadora. Sem nenhuma intervenção estatal, grandes empresas demitem milhares de trabalhadores para tentarem escapar da crise. Estes trabalhadores não encontram nenhum respaldo em suas organizações sindicais ligadas à CUT que seguem a linha do governo e do empresariado, de socialização dos prejuizos.
O governo reprime duramente os sindicatos de luta, como é o caso do ANDES (Sindicato nacional dos professores) que passou a não ser mais reconhecido como representante dos professores pelo governo que também tirou o disconto em folha dos filiados ao sindicato, dando um duro golpe nas financias deste sindicato. Durante a greve da previdência, que não pedia nada mais que a manutenção de velhos direitos, o governo além de não atender a nenhuma revindicação, decretou a greve ilegal e passou a contar os dias de greve como falta no trabalho.
Sim. O governo Lula foi diferente do governo FHC e certamente seria diferente de um governo do Serra ou do Alckimin. O governo Lula soube aplicar o projeto neoliberal da burguesia nacional e internacional, ao mesmo tempo que com sua política assistêncialista e paternalista, deu ao povo um mínimo necessário à sobrevivência, evitando grandes agitações populares como na Venezuela, Bolívia e Equador. Não é atoa que durante o governo Lula, os bancos batessem recordes e mais recordes de lucro.
Não acredito que Dilma e Serra sejam iguais. Mas certamente, pelo que vimos nos últimos 16 ou mais anos, os dois estão ali representando o setor dominante da sociedade brasileira. Estão a serviço do capital e por isso mesmo são apoiados por partidos da burguesia e por grandes empresários, que não estão unidos – não na corrida presidencial pelo menos – devido apenas a uma disputa de poder.
É importante deixar claro que a falça alternativa à esquerda de Marina do PV, também deve ser posta ao lado de Dilme e Serra na defesa do status quo da sociedade brasileira. Não é atoa que em seu partido, o PV, estão filiados os mais ricos empresários brasileiros, que aderem à um ambietalismo de mercado que trata as questões ambientais de forma superficial, mas que faz bem, atualmente, ao nome da empresa. O PV de Zequinha Sarney, é aliado ao PSDB no Rio de Janeiro e certamente aliado ao PT em inúmeros estados e municípios brasileiros.
Devemos apresentar nesta campanha eleitoral uma candidatura que seja autenticamente anti-capitalista e claramente socialista. Nesta campanha, devemos denunciar não só que Dilma, Serra e Marina, representam o mesmo projeto – com algumas diferensas pontuais – mas também denunciar a farça das eleições. Dizer que fazer política não é somente ir votar a cada 2 anos como se diz na Globo. Fazer política é se organizar e lutar pelos direitos dos historicamente explorados por este sistema. Nossa campanha deve estar voltada para e construída com os movimentos sociais, falando de uma ampla e real reforma agrária, reforma urbana, reforma eleitoral (contra o financiamento privado de campanha por exemplo), pelo fim do senado corrupto. Uma campanha de esquerda que ponha o dedo na ferida dos poderosos.
A eleição, a representatividade no parlamento burguês, não deve ser desprezada, pois é um importante espaço de denúncia. Mas os partidos de esquerda devem saber que seu foco principal é na atuação junto aos movimentos sociais. É na disputa das organizações da classe trabahadora, conscientizando e chamando para a luta no dia-a-dia.
É por isso que nós, de parte do PSOL, chamamos a candidatura de Plínio de Arruda Sampaio, e chamamos para fazer parte deste “projeto socialista para o Brasil” os partidos da Frente de Esquerda (PSTU e PCB) e também os movimentos sociais. Neste momento em que se apresenta uma falça polarização entre PT e PSDB – que nada mais é que uma disputa administrativa – e uma falça alternativa, que é a Marina (PV), a esquerda socialista deve estar unida numa frente única, não só nas eleições, mas principalmente na atuação nos movimentos sociais.
Renan da Cruz Padilha Soares
Partido Socialismo e Liberdade
Coletivo Socialismo e Liberdade
segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010
Sobre Ônibus e Telefones
São três horas da manhã e o telefone toca... Normalmente não gosto de receber ligações de madrugada, tenho sempre a impressão que se alguém ta me ligando a essa hora, não pode ser boa coisa. Mas desta vez foi diferente.
Foi diferente porque eu tinha certeza de quem era e tinha certeza de quem era, porque a 5 minutos estava falando com esta pessoa pelo telefone. 5 minutos foi o que Ela precisou para jogar no papel uma linda poesia que sua mente inquieta a impulsionou a escrever e 5 minutos foi o que ela precisou pra me emocionar e surpreender, novamente, com aquela poesia.
Um “Romance sobre rodas” é muito significativo, pois representa não só como nos conhecemos na viagem de ônibus para Porto Alegre, não só nossas viagens através do Rio para nos vermos, para reuniões, para comemorarmos – ou lamentar no seu caso – mais um vice de seu time – não pude deixar de fazer a piadinha -, como a roda que nos leva a tantos lugares e a janela, “sem grades”, que olhamos para o mundo em movimento, representam quem somos, pois acreditamos nesse eterno movimento do mundo, da história, da mudança, sem nos preocuparmos com “retrovisores”, olhando para frente e querendo que o lugar para onde estamos indo, seja ele qual for, venha ser um lugar diferente e melhor para nós e para todos ao nosso redor.
Acredito que tenha sido mais ou menos isso que tu tenhas tentando passar em seu poema. Mas eu aqui, sentado em frente ao computador e com o coração pulando de alegria com a maravilhosa surpresa da madrugada, penso em mais uma coisa que vai lembrar-me desse nosso romance. Acho que talvez bem menos poético que os veículos de sua poesia – até porque eu precisei bem mais de cinco minutos para conseguir escrever algo sobre nós, e só conseguir depois dessa injeção de alegria que tu me destes – o telefone será algo pra mim marcante. Não consigo fazer metáforas sobre esse aparelho do mundo moderno para nós, mas toda vez que o ouço tocar sei que meu coração pula mais forte, pois com ele podemos viajar em nossas palavras, sem precisar de motor ou rodas.
sábado, 20 de fevereiro de 2010
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