quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Boquiaberto


Hoje fui fazer uma das coisas mais desagradáveis da vida. Ir ao dentista. As vezes penso “como é que pessoas, aparentemente tão boas, foram arrumar uma profissão tão desagradável.” Talvez tenham feito muita besteira quando criança e como castigo os pais lhe disseram: “Ou você será juiz de futebol ou será dentista, escolhe!”. Pode ser também que sejam apenas psicopatas. Como sabemos, psicopatas tendem a parecer cidadãos comuns quando não estão roubando, matando, estripando ou abrindo o dente das pessoas com máquinas terríveis.

Porém, por mais assustadores que os dentistas sejam, não vim aqui para falar deles. Como eu ia dizendo, hoje fui ao dentista. Precisava terminar um tratamento de canal que enrolava há anos pra fazer. Algumas vezes já tinha me convencido de que seria melhor conviver com a dor periódica do que me submeter à tortura do consultório. Porém, como sou muito macho – por “muito macho” entende-se “minha mãe me obrigou – resolvi encarar o perigo. Como um bom psicopata, a sala do dentista tinha uma televisão, que por sua vez tinha o objetivo claro de fazer-nos pensar que estamos seguros enquanto ele ataca. Decidi que o melhor a fazer seria prestar a máxima atenção no filme da sessão da tarde que estava passando, para não dar o gostinho ao meu torturador de me ver com os olhos arregalados de medo diante de seus instrumentos inspirados na Santa Inquisição.

Por fim, chego finalmente ao assunto que me inspirou escrever esse texto, pois fiquei boquiaberto. Não apenas pelo fato do dentista ter me obrigado a assim permanecer enquanto ele se deliciava enfiando espetos do tamanho do meu dedo médio em meu dente, tampouco foi o filme que contava a história estranha de um tubarão que queria casar com uma peixinho dourado. Entenderia se ele quisesse apenas come-la, mas isso não nos importa no momento. Foi o que passou na TV após o filme do romântico tubarão, que mexeu comigo de forma a fazer com que espantasse minha preguiça e minha falta de aptidão e viesse aqui escrever esse texto.

Há muito tempo que não via Malhação, provavelmente desde que eu passei a ter um mínimo de senso critico, mas sei, por alto, o enredo da série. Desde os tempos áureos da academia com Mocotó, Malhação mudara seu cenário para uma escola particular onde esteriótipos de adolescentes, brancos em sua maioria e de classe média, média alta, viviam esteriótipos de “romance, intriga e muita azaração”. E tais jovens esteriotipados, muito imitados em escolas particulares reais, eram o que esteriotipamos de “playboys” e “patricinhas”...

Nessa parte do texto dou uma parada pois sei que muitos vão dizer que não é politicamente correto julgar uma pessoa pelo seu “estilo” e que viu num episódio de Malhação que isso pode dar muitas “confusões, romances e azarações”. Bem, não tenho o compromisso de ser politicamente correto e há muito tempo não via Malhação, portanto assim continuarei o texto...

Como eu ia dizendo, o padrão de vida vendido pelo programa em questão era o dos “playssons” e “patys”. E qual foi minha surpresa ao perceber que nesta nova temporada, predomina-se o que podemos chamar de estilo cult, pseudo-cult, cult bacaninha ou qualquer outro nome de sua preferência. Assim como playboys e patricinhas, não existe um padrão unificado e oficial que defina com precisão o que venha a ser uma pessoa cult, cult bacaninha, pseudo-cult e por aí vai. Mas olhando para os personagens – principalmente as meninas – do programa em questão e vendo que usavam camisas do filme “Laranja Mecânica” – exelente filme, é bom dizer - majoritariamente de cabelinho bem curtos, All Stares coloridos, bótons e uma infinidade de outras características deste tipo podemos dizer, ou pelo menos ouso dizer, que o pátio da esteriotipada escola de Malhação, antes povoada por playboys e patricinhas, estava repleto de cults de todos os gêneros.

E o porque disso ter me deixado boquiaberto é que ninguém deve estar entendendo ainda. Para falar a verdade, nem eu entendi direito o motivo. Imagino que tendo eu estudado minha vida toda em escola particular e tendo sido sempre um outside – fazendo aqui uma referência ao termo utilizado pelo antropólogo Nobert Elias - ou seja, um nerd, grunje, esquisito, ou qualquer um desses esteriótipos de que vive a sociedade, via no padrão “paty” e “playsson” aquilo que a grande mídia vendia como o bonito e correto para a juventude. Sendo assim, talvez tenha imaginado que aquele recente estilinho cult, muito presente nas faculdades das áreas humanas, era contra-hegemônico.

Não sou idiota. Não pensei se tratar de um movimento de resistência à grande mídia e ao padrão cultural que a elite tenta impor, até porque ele nasce majoritariamente nas classes mais favorecidas, mas admito que pensei que, tudo aquilo que não fosse o Malhação Way of Life, deveria ser valorizado.

A vida nos traz, inevitavelmente, desilusões. Algumas são inevitáveis outras podemos evitar. Por exemplo, termos desilusões amorosas é inevitável, mas poderíamos evitar desilusões futebolísticas avaliando as três últimas finais do campeonato estadual que nosso time participou. Nesse caso específico, eu não poderia evitar a desilusão de achar que dessa vez o dentista seria melhor, mas poderia ter evitado a desilusão estilística se percebesse anteriormente o quanto o Pseudo-Cult Bacaninha Way of Life sempre foi individualista e consumista, tornando-se assim um padrão muito interessante para ser vendido na grande mídia.

Bom, apesar da desilusão evitável, uma coisa boa isso tudo gerou: ao ficar pensando nesse texto, motivado por tal desilusão, perdi a metade final da Malhação e quando dei por mim já havia começado uma outra novela que não lembro o nome e não me anima pesquisá-lo para por aqui. Com medo de que meus preconceitos e conceitos me levassem a mais desilusões desnecessárias, ou seja, com medo de que na novela aparecesse um empresário punk produzindo camisas do Che Guevara, resolvi prestar atenção no trabalho final do carniceiro por profissão que nesse momento dava uma de mágico tirando diversos objetos bizarros, que ele mesmo pôs lá, de dentro do meu dente. Espero que não tenha esquecido nenhum instrumento lá dentro. Essa seria uma desilusão que poderia evitar.

Um comentário:

  1. ..."e o pensamento parece uma coisa boa, como é q a gente voa qdo começa a pensar..."(esqueci o autor) Essa música é p vc e a todos criativos como vc!!!!!!!!!bjs

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