sábado, 23 de janeiro de 2010

Carta Aberta


Estou, nesse momento, fazendo os últimos preparativos para a viagem para Porto Alegre onde ocorrerá o X Fórum Social Mundia. E como este é meu primeiro evento político do ano, farei meu primeiro post estritamente político.
Este é um relato pessoal e uma contribuição minha para o debate político.

Por que saí do PT e por que entrei no PSoL-CSOL.

Em 2007, quando entrei na universidade era do PT e apoiava o Lula. Já no 2º semestre encarei o processo do REUNI. Vi o governo baixando um decreto que "poderia ou não" ser aceito pelas universidades (mas se não aceitassem a verba seria bem menor). Como eu apoiava o governo, participei dos mais de 5 debates realizados pelo DCE, de mais outros 2 ou 3 realizados pelo CAHIS, e pelo menos um realizado pela reitoria, além é claro, de buscar informações com meus companheiros que apoiavam o projeto. O argumento principal deles era: A universidade vai ampliar, o filho do pedreiro vai poder virar doutor, haverá mais verba para a universidade, como já estava escrito no projeto. Porém lendo as poucas linhas do decreto, atentamente, e ouvindo todos os debates percebi o quanto esse argumento era superficial. A verba pública que toda universidade deve receber, estava condicionada ao cumprimento de diversas condições, algumas delas absurdas como: nível de conclusão de 90%, coisa que nem as universidades de 1º mundo têm; o aumento de números de alunos era muito maior que o aumento do número de professores, sendo assim, entupindo as salas de aulas, o que é claro prejudica a qualidade da aula. Previa a dissociação do tripé ensino-pesquisa-extenção, sem contar a diminuição do tempo que o estudante permanece na universidade, entre muitas outras coisas.

Com um pouco mais de atenção fica claro que, por de trás de um decreto que prevê aumento de vagas, que fará o filho do pedreiro virar doutor, que trará um aumento de verbas, está um conceito de universidade que faz o estudante se qualificar o mais rápido possível, para que possa rapidamente entrar no mercado de trabalho que, hoje, exige um nível de qualificação maior. O REUNI, transforma a universidade numa fábrica de mão-de-obra qualificada de reserva para que, assim, se possa continuar a flexibilização das leis trabalhistas, historicamente conquistadas. De acordo com o projeto neoliberal. A universidade deixa de ser um espaço de troca de idéias, de formação de cidadãos.

Então eu comecei a perceber que isso tudo não era à toa. Sempre acreditei que fazer alianças com a “burguesia nacional”, aceitar dinheiro de grandes multinacionais para as campanhas era importante para que pudéssemos chegar ao governo e, a partir daí implementar reformas estruturais que fizessem o capitalismo entrar em contradição, acirrar a luta de classes e, daí, começar um processo revolucionário, isto é, aplicar o Projeto Democrático Popular. Porém as alianças cobram seu preço. Eu acreditava que ao chegar no poder, dava para, numa queda de braço, tencionar o governo para a esquerda. Mas, numa queda de braço onde a outra parte é muito mais forte, é impossível ganhar. A burguesia tem todo aparato de dominação cultural e militar, historicamente enraizados na nossa realidade, e é inocente acreditar que podíamos, contra eles, puxar esse governo pra esquerda. Ainda mais quando aqueles que mandam no PT há muitos anos como, por exemplo a Articulação, já estão degenerados em suas práticas há mais tempos.

A política do governo Lula deu continuidade ao principal foco da política de FHC/PSDB/DEM, a implementação do neoliberalismo. Lula não representou um freio a esse modelo econômico, é claro que ele não poderia mais privatizar empresas estatais da forma aberta e esdrúxula que foi feito no governo FHC, mas os leilões do petróleo, que entregam boa parte da PETROBRAS para mãos estrangeiras e que, até o PCdoB e parte do PT, se dizem contra, são uma forma mais discreta, porém real, de privatização. Os cursos pagos nas universidades públicas e as fundações que sugam dinheiro público são outra forma quase imperceptível de entrega do que é público para mãos privadas. O Pro-Uni, que sob a máscara de colocar pessoas sem recursos na universidade, cumpre o seu papel atendendo aos interesses do mercado (do jeito que os organismos internacionais querem), pois dá a classe trabalhadora uma qualificação rápida, sem qualidade, mas que permite ela se tornar mão-de-obra excedente à espera de um emprego.

O REUNI não foi um ato separado. Ele faz parte de um lógica de governo que está a serviço daquilo que o PT e o PCdoB das antigas mais combateram, mas que, para chegar ao poder, se aliaram. Com isso, os ataques à previdência social não se tornam estranhos (como eu costumava ver e tentava de tudo me justificar). Assim, o ataque ao direito à greve é bem plausível. As alianças com governos assassinos como o de Cabral aqui no Rio, que com sua política de segurança, mata e reprime a classe trabalhadora negra das favelas, são totalmente aceitáveis. Alianças essas que agora podem até abrangi o PSDB, como já foi feito em certos lugares. Os Bancos que, antes da crise, batiam todo dia recordes e recordes de lucro, também não é um fato isolado. Esse governo se tornou um governo de direita, pois está a serviço do mercado, ou seja, da burguesia exploradora.

Porém, não podemos jamais dizer que esse governo é igual ao do Fernando Henrique. Isso seria uma grosseira falha de avaliação de conjuntura. Lula tem um grande diferencial que foi pegar os programas sociais esboçados pelo FHC e torná-los reais. É indispensável vermos a abrangência dos programas assistencialistas do governo. O número de famílias pobres e miseráveis que passaram a receber uma ajuda de custo através das diversas bolsas é impressionante e explica muita coisa. Muitas famílias deixaram a linha da miséria para serem pobres. Soma-se isso com a própria imagem do presidente Lula, pois, é inegável que hoje Lula tem sua imagem descolada da do PT. Lula hoje representa uma força muito maior que o PT e o PT e seus aliados vão a reboque do Lula. (Um exemplo impressionante disso é a luta contra Sarney no senado, que o PT ameaçou embarcar, mas logo depois passou a fazer a defesa do Sarney, devido muito à posição do Lula). Lula é um presidente que tem a cara do povo. Invés de falar de Webber, fala do Corinthians e essa identificação entre povo/presidente, também ajuda a explicar a grande popularidade que ele tem junto à classe trabalhadora.

Lula veio do movimento social e ao chegar no poder fez com que uma grande parte desse movimento social passasse a ter uma política de defesa do governo federal e de suas políticas e não mais uma atuação junto à base e uma defesa daquilo que no passado historicamente defenderam. Os dois grandes exemplos disso são a CUT e a UNE. Hoje a direção majoritária da UNE, além de aceitar dinheiro do governo, defende com unhas e dentes todas as políticas do governo federal, normalmente fazendo um pseudo contra proposta, com o objetivo de tentar se diferenciar, mas que na prática tem os mesmos interesses do governo. Como, por exemplo, foi o REUNI, onde eu vi, na UFRJ, estudantes da UJS e do PT lutando, ao pé da letra (isto é, com socos e ponta pés), para defender o conselho universitário altamente ilegítimo e antidemocrático que viria a aprovar o REUNI dentro de uma sala em separado. Não diferentemente apoiaram e legitimaram a aprovação do REUNI na UFF (pois tinham militantes lá dentro) que foi feito fora do espaço da universidade, no tribunal de justiça de Niterói, onde os opositores ao decreto, professores e estudantes, foram impedidos de entrar pela PM com gás de pimenta e tudo. O CONUNE é outro espaço que mostra o tamanho da burocratização dessa entidade. Sem entrar no mérito das diversas maneiras bizarras que a UJS principalmente, mas também o PT tiram delegados, lá há poucos espaços para debate de idéias como GDs e etc. A organização joga para desmobilizar e despolitizar o espaço, realizando grandes shows e eventos durante o CONUNE.

Sendo assim, apesar de grande parte da classe média não gostar do Lula, devido ao preconceito de classe, o mesmo motivo que faz a mídia pegar em seu pé [mas quando tem que elogiar sua política econômica, não deixa de fazer], Lula representou uma vitória da burguesia nacional e internacional, pois ela pôde continuar aplicando seu projeto neoliberal de ataque aos direitos, ao mesmo tempo em que cooptou grande parte do movimento social outrora combativo e satisfez o povo com uma política assistencialista. Uma grande vitória dela ante aos processos de ascenso que estão ocorrendo na América Latina, como por exemplo, Bolívia, Venezuela e Equador que, apesar de terem seus problemas, representam um freio no neoliberalismo e um avanço democrático considerável.

Achei importante falar isso tudo, pois foi exatamente isso que me fez sair do PT. Todos esses pensamentos passaram na minha cabeça, não de forma muito tranqüila e nem muito menos feliz. Foi um baque forte. Mas a luta continua. Foi então que me vi de frente a um dilema. Sou militante, sou de esquerda e sou socialista. Acredito na importância de se estar organizado para lutar contra a exploração do homem sobre o homem no capitalismo. Mas saindo do PT, com toda essa avaliação, seria incoerente buscar um partido governista e assim analisei os partidos da Frente de Esquerda (PSoL, PSTU e PCB), pois eram quem representava e concretizava melhor essas criticas ao governo de Lula e ao sistema em geral.

O PCB não tem quase nenhuma força ou intervenção onde eu milito, apesar de terem crescido um pouco nos últimos anos. Melhorou consideravelmente em relação ao passado, mas ainda tem seus resquícios stalinistas. O PSTU é um partido de luta, que atua nos movimentos sociais (diferente dos partidos governistas que hoje tem como ponto principal de sua política permanecer no poder). Porém acredito que, por se tratar de um partido centralizado, muitas vezes toma atitudes sectárias acreditando que são a vanguarda do movimento socialista e quem não está com eles é pelego. Assim eles se comportaram ao se retirarem da UNE e não perceberem que ali é um espaço onde tem milhares de estudantes que lá estão porque não conheceram outro discurso se não o da UJS, ou porque acreditam que o governo Lula é um avanço, pois o colocou na universidade. São esses estudantes de base que, acredito eu, nós devemos disputar e trazê-los para a luta. Mostrá-los que ele agora da na universidade graças ao Pro-Uni, mas em que tipo de universidade? Tem que tipo de formação? O PSTU acredita que a reorganização do movimento estudantil será feita a partir da criação de uma nova entidade, como fez com a CONLUTE e agora com a ANEL. Uma visão superestrutural, como se os problemas do ME possam ser resolvidos a partir de cima. Avalio que a UNE se tornou uma entidade a serviço do governo federal e de sua política, mas não é criando uma nova entidade que tudo voltará a ser bom. Temos é que disputar na base. Em cada CA e DA, em cada DCE, das universidades públicas e particulares. Trazer o estudante para a luta real e concreta e assim, dessa demanda quem sabe, surja a necessidade de uma nova entidade de luta que unifique o movimento da esquerda combativa. Mas isso não é algo que se faça de cima pra baixo, mas sim de baixo para cima.

As posturas do PSTU no cenário internacional, também refletem essa política sectária. Eles se põem como oposição de esquerda ao governo de Chávez e Evo Morales. Eu concordo na avaliação que Chávez e Morales não são a revolução socialista. Eles representam a aplicação do Projeto Democrático Popular que, naquela conjuntura, foi mais avançado que o exemplo de Lula no Brasil. Porém a fragilidade desse projeto se torna evidente quando vemos os movimentos sociais avançarem mais que o governo e o governo tentar freiá-los, fazendo coisas inadmissíveis como a demissão de um líder sindical da petroleira venezuelana, após uma greve com reivindicações justas. (E olha que ele apoiava o governo de Chavez). A burocratização e a corrupção são coisas inevitáveis quando se acredita que dá para mudar o sistema atravéz do Estado burguês, istoé, a aplicação do Projeto Democrático Popular. Porém, é inegável o acsenso de massas que ocorre nesses países. É também um erro de avaliação dizer que Chávez e cia são iguais ao governo Lula. Lá os movimentos sociais estão nas ruas, discutindo política e o socialismo e é preciso estar ao lado desses movimentos sociais e apresentar uma alternativa revolucionária. Se você se põem apenas como oposição à esses governos, que tem grandes avanços, você se isola das massas e se põem ao lado da direita mais reacionária desses países. Assim, o PSTU não me pareceu uma alternativa neste momento.

O PSoL surge com o objetivo de fazer com que aqueles militantes que saíram do PT quando perceberam a guinada do governo à direita, e que não se viam no PSTU (como eu) não voltassem para casa, cuidar das suas vidas. Surge também com o objetivo de unir as diversas organizações que romperam com o governo, para que essas não fizessem sua luta de forma desunida e fragmentada. O PSoL nasce com a proposta de ser um instrumento de reorganização da esquerda combativa, decepcionada com o governo que ela ajudou a eleger e por isso o partido deve ser amplo, democrático e aberto à tendências internas, para que se possa ter um diálogo e seja um instrumento de unidade e debates dessas organizações. Na época que se discutia a criação desse novo partido, o PSTU estava nos debates e propôs que o novo partido fosse centralizado, e filiado a Liga Internacional dos Trabalhadores (LIT) [A Internacional à qual o PSTU é filiado], ou seja, queria formar um PSTUsão. Venceu a idéia do partido amplo e assim nasce o PSoL.

Eu tenho diversas críticas ao PSoL e a forma com que a direção majoritária do partido toca ele. Acho que a campanha da Heloisa Helena em 2006 foi uma campanha moralista, sem um cunho anti-capitalista, que dialogava principalmente com a classe média e não com os movimentos sociais. Isso reflete a visão de alguns grupos dentro do PSoL. Mesmos grupos que aceitaram dinheiro de uma multinacional (Gerdal) para fazer campanha e que fez aliança com o PV do Rio Grande do Sul e com o PSB no Norte. Avalio que isso mostra que esses grupos romperam com o PT e com o governo Lula, mas não deixaram de ser petistas. Como assim? Continuam acreditando no Projeto Democrático Popular. E para esse projeto ser posto em prática, você precisa chegar ao poder, e na vontade de chegar ao poder, você faz concessões anti-classistas. Trilham o mesmo caminho da degeneração que os partidos governistas e outros partidos pseudo de esquerda (PPS, PDT, PV) trilharam. Porém ao entrar no PSoL, eu entrei numa corrente que avalia que o PSoL, mesmo com seus diversos problemas, cumpre um papel importante na reorganização da esquerda combativa hoje no Brasil. Essa corrente é o CSOL, que teve sua fundação feita, principalmente, com militantes que romperam com o PSTU no processo de formação do novo partido (que viria ser o PSoL), pois defendiam que o PSTU recuasse na sua proposta de criação de um partido revolucionário, centralizado, a fim de fazer um partido amplo, aberto e democrático. Foram perseguidos internamente e romperam.

O CSOL acredita que a eleição é importante pois é um período em que a população está, minimamente, discutindo mais política. É um momento em que, apesar de todos os entraves da democracia burguesa, a esquerda combativa pode ter um pouco mais de espaço para denunciar o sistema que oprime a classe trabalhadora e a farsa dessa falsa democracia representativa, onde a cada 2 anos nós delegamos a terceiros o dever de mudar o país e lutar por nós. É importante eleger deputados, senadores e etc? Sim, é claro. É só vermos o exemplo do Marcelo Freixo aqui no Rio, que faz a denúncia das milícias e da violência policial e incomoda muito o grande capital e a burguesia. Mas não devemos ter ilusões de grandes transformações através da luta parlamentar. Apenas suadas vitórias pontuais. Nosso foco principal é a atuação nos movimentos sociais: sindicatos, DCEs, Associações de moradores, movimentos urbanos e rurais, etc. Atuar junto à classe trabalhadora explorada para que esta se organize e venha lutar pelos seus direitos e principalmente por um sistema verdadeiramente democrático onde não haja exploração do homem sobre o homem. Assim, internamente, combatemos esses grupos que saíram do PT, mas não romperam com as práticas petistas. Inclusive, no último congresso, obtivemos vitórias importantes que dão a esse partido fôlego pra continuar sendo um instrumento de reorganização da esquerda.

Entrei no PSoL por acreditar que estamos em uma conjuntura de refluxo dos movimentos sociais, onde a esquerda precisa de um espaço unificado para trocar idéias, debater programa e procurar uma pauta que minimamente unifique essas organizações, para atuar na luta contra os avanços neoliberais.

Entrei no CSOL, pois sou socialista e sou revolucionário. Sei que não estamos num momento pré-revolucionário, mas a história já nos ensinou que assensos de massas acontecem de formas cíclicas e normalmente acompanham as crises do capitalismo. Nós estamos no início de uma grande crise (mesmo que os jornais já tratem ela como superada, alguns especialistas dizem o contrario). Mas com a crise, não é obvio que a esquerda cresce. Pode acontecer justamente o contrario, pode haver um crescimento da extrema direita. É por isso que nós, da esquerda socialista revolucionária, devemos estar atuando junto aos movimentos sociais, chamando a classe trabalhadora para defender um programa de ruptura com o sistema que a explora e não atuando para defender o Estado burguês, com uma política que beneficia e ajuda a salvar a burguesia da crise.

Não é possível escrever pouco para justificar uma decisão tão complexa, como minha saída do PT (2007), minha entrada no PSoL (2008) e no CSOL (2009), mas espero que tenha ficado esclarecido.

[Adendo atual] A Atual polêmica do apoio ou não à candidatura de Marina do PV e a postura do CSOL de não só defender candidatura própria, como, com o lançamento da pré-candidatura do Plínio de Arruda Sampaio à presidência, fazer o contraponto com aqueles que ainda acreditam ser possível mudar a sociedade por dentro do Estado burguês. Discutimos o papel de uma organização revolucionária na eleição burguesa e isto me fez ter convicção das minhas escolhas. Não estamos aqui para fazer um percentual alto a qualquer custo, mas sim para debater e construir um projeto socialista para o Brasil, junto com os movimentos sociais e populares.

Renan as Cruz Padilha Soares.
Coletivo Socialismo e Liberdade
Partido Socialismo e Liberdade

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