quarta-feira, 13 de outubro de 2010
Segundo turno: E agora?
As eleições presidenciais do Brasil em 2010 foram mais uma vez para o segundo turno, contrariando o que mostravam a maioria das pesquisas eleitorais e o que acreditavam, aparentemente, a maioria das pessoas.
No primeiro turno o PSOL, com seu representante: Plínio de Arruda, teve papel fundamental denundo a lógica do sistema eleitoral brasileiro e denundo as poucas diferenças que existiam entre os três candidatos majoritários: Dilma, Serra e Marina.
Nossa votação, a esquerda como um todo, não alcançou 1% das intenções de voto, porém nada abaixo do esperado. Como havíamos dito, a lógica eleitoral na democracia burguesa, permite que apenas os candidatos que se vendem ao jogo eleitoral consigam ter uma mínima chance de chegar ao mais alto cargo de poder no Brasil. Sendo assim, como a campanha do PSOL para o Plínio, e dos candidatos da esquerda combativa em geral, não aceitaram dinheiro de empresários, como os três outros aceitaram, não utilizamos nenhuma militância paga, como os três outros utilizaram, não fizemos alianças com partidos burgueses, claramente de direita, como os outros três fizeram, não seria possível, dentro da lógica eleitoral, termos uma votação expressiva.
Não seria possível, pois a democracia tem esses e mais alguns outros mecanismos para garantir sua preservação da ordem social atual. Você só ganha caso se venda ao jogo. Sendo assim, sempre os candidatos mais votados serão aqueles que se comprometem em manter e perpetuar o sistema capitalista. Perpetuar o sistema de opressões, de avanço neoliberal contra os direitos historicamente conseguidos pela classe trabalhadora, de criminalização de movimentos sociais e da pobreza em geral e de tudo aquilo que o capitalismo representa.
Digamos que um personagem fictício dormiu por 8 anos e acordou na véspera do segundo turno para votar, sem analisar em nada o que foi o governo Lula, ainda assim ele poderia ter alguma idéia vendo as chapas que estão na disputa dessa fase da eleição: PT X PSDB. Opa! Isso aí eram coisas bem diferentes até 2002! Continuando: DEM X PMDB. Como assim? PMDB não é o partido de Sarney e companhia? O Sarney que apoiou a ditadura militar até o último momento? O PMDB dos latifundiários e dos mega empresários como Michel Temer? O que? Michel Temer é o vice do PT? Mas este não é o mesmo PMDB que apoiou o governo FHC, que privatizou setores estratégicos da nossa economia, que avançou mais que nunca na política econômica neoliberal contra a classe trabalhadora e que o PT sempre fez oposição ferrenha?
Bom, mas outros partidos da burguesia direitista, como PR, PRB, PTN, PPS, PTB, PMN e PT do B, estão apoiando quem? Os dois? Não dá para entender mais nada. Esses partidos não defendem privatizações, neoliberalismo e etc não deveriam estar apoiando só o PSDB/DEM? Porque parte deles apóiam o PT?
Por fim, no auge do susto ao acordar 8 anos depois, eu me agarro na esperança de que pelo menos a figura sozinha do Lula, não traia sua origem petista. Não me diga que o candidato do PT não é Lula? É a Dilma? Dilma não era do PDT até 2001 e se filiou ao PT para ocupar um cargo no governo estadual de Olívio Dutra?
É isso aí, meu caro personagem fictício dorminhoco. Mas caso você tivesse tido a oportunidade de presenciar os oito anos de governo Lula/PT não se surpreenderia com nada disso. Uma das primeiras ações do governo Lula, em 2003, foi a reforma previdenciária. Reforma esta, que o PT lutou contra durante toda a sua história política e que assim que virou governo, devido ao seu compromisso com os banqueiros, empresário e partidos da elite com o qual se aliou, aplicou.
Militantes históricos do PT não admitiram essa traição e no parlamento votaram contra o ataque a esse direito historicamente conquistado: Heloisa Helena, Baba, Luciana Genro e centenas de outros foram expulsos do PT por serem coerentes.
Isso foi uma prévia dos oito anos seguintes. Estou convencido que o governo Serra (que concorreu em 2002 contra o Lula) teria sido diferente deste governo. Serra teria dado continuidade a uma política bem perigosa para a manutenção do sistema, com privatizações descaradas e sem apoio popular. Porém, mas uma vez na história do capitalismo, o sistema consegue se renovar e se preservar. Para isso a eleição de Lula foi essencial.
Essencial, pois Lula/PT fez a reforma da previdência, deu continuidade a política econômica neoliberal de FHC fazendo com que os banqueiros tivessem os maiores lucros desde muitas décadas. Tentou atacar o direito à greve, perseguiu sindicatos históricos e de luta, como o sindicato nacional dos professores (ANDES), que teve seu registro cassado, criminalizou a greve do INSS a pouco tempo atrás, uma greve para manutenção de direitos. Lula manteve o veto presidencial de FHC ao PNE (Plano Nacional de Educação) que destinava 7% do PIB para a educação (a proposta dos movimentos sociais é de 10%), manteve apenas 3% do PIB, fez o decreto do REUNI, que sob uma capa de expansão da universidade, ataca sua qualidade com metas como: 90% de taxa de conclusão; dissociação do tripé ensino-pesquisa-extenção; aumento do número de alunos 100 vezes maior que o número de professores. O governo petista permite que a PETROBRAS (empresa que é apenas 30% estatal) continue realizando os leilões do petróleo, dando nossa riqueza, inclusive a riqueza do pré-sal, nas mãos das grandes multinacionais estrangeiras.
Porém, ao mesmo tempo em que o governo aplicou essa política de manutenção dos avanços neoliberais, de perseguição e de tudo aquilo que o capitalismo tem direito, Lula realizou uma política assistencialista eficiente, com a bolsificação de toda vida de uma parcela grande da população. Lula pegou os projetos sociais do governo FHC e fez com que eles realmente acontecessem. Essa política tirou milhares de pessoas da linha da miséria e elevou para a linha da pobreza. Pessoas que morriam de fome passaram a ter um mínimo pra comer. Isso é somado ao carisma pessoal do presidente Lula que no imaginário popular, foi o responsável por essa pequena melhoria em suas vidas. Pequena melhoria, mas única melhoria que eles tiveram em muito tempo.
Se contarmos também que os movimentos sociais históricos como a CUT e a UNE perderam totalmente sua democracia interna e autonomia para com os governos e passaram a simplesmente aplicar as políticas federais, isso deixou a classe trabalhadora de joelhos perante o governo e explica não só os 80% de aprovação do governo Lula, como também que a esquerda combativa, que diz que é preciso, sim, ter uma política emergencial, mas que ela seja transitória e acompanhada de uma política real de distribuição de renda, tirando do lucro dos mega empresários e fazendo uma reforma agrária efetiva, que essa esquerda tenha tido menos de 1% dos votos.
Para quem acha que o grande diferencial do Lula foi a política externa, é preciso por um pé atrás. É claro que não queremos voltar a uma política subserviente aos Estados Unidos, como na era FHC, mas devemos condenar veementemente a política sub imperialista que o governo Lula aplica na América Latina. Devemos condenar a intervenção da ONU no Haiti, com tropas brasileiras que reprimem e matam a população mais pobre da América Latina. Condenar a política sub imperialista do Brasil na Bolívia, no Paraguai, na Argentina e em outros países. Condenar o apoio político ao governo machista, homofóbico, opressor e assassino de Ahmadinejad no Irã. Não é a toa que Obama disse que “Lula é o cara!”. Na nova estratégia imperialista do governo Obama, Lula é uma peça chave, pois diferentemente do Bush, ele aposta no diálogo e na mediação para manter seu império.
O capitalismo triunfou novamente! Caso a política de FHC continuasse do mesmo jeito no governo Lula, coisas “terríveis” poderiam acontecer. Os ataques de FHC à classe trabalhadora, as privatizações descaradas e tudo isso estava gerando cada vez mais descontentamentos, em um cenário na América Latina perigoso, onde movimentos de massa levaram governos progressistas e anti-imperialistas ao poder na Venezuela, Bolívia e Equador.
Assim como a perpetuação da ditadura militar na década de 80 representava um risco para a perpetuação do sistema e a solução foi uma passagem para a democracia de forma negociada e sem revanchismos, preservando a estrutura de poder, a perpetuação da estratégia política-econômica-social do governo FHC, representava um risco ao projeto capitalista e foi preciso mudar essa estratégia. A nova estratégia é a política econômica-social do governo Lula, que calou os movimentos sociais, cooptou a classe trabalhadora, e reprimiu quando tinha que reprimir, ao mesmo tempo em que satisfez os grandes empresários e banqueiros.
Lula dá ajuda assistencialista, ao mesmo tempo em que o setor informal cresceu. O trabalhador está satisfeito, pois ganha uma bolsa que lhe permite comer, mesmo que com um emprego precarisardo e sem garantias sociais. É mais barato pagar bolsas do que ampliar a previdência social. Enquanto empresários da educação vibram com as políticas educacionais do governo, os empreiteiros vibram com o PAC, os banqueiros vibram com a dívida interna.
A nova estratégia de preservação do sistema deu certo e certamente será mantida! Caso você acredite que as bolsas e ajudas assistencialistas em geral devem ser um fim em si mesmo, e que não tem problema que elas venham acompanhadas de uma política de enriquecimento de banqueiros e empresários, sem reforma agrária, sem distribuição real de renda, eu garanto para vocês: Essa política está assegurada! Não só porque Dilma deve ser eleita, mas principalmente pela certeza de que Serra jamais irá mudar essa estratégia que deu certo!
Serra defende um projeto de país neoliberal e capitalista, e por isso mesmo ele não é louco de mexer na bolsificação do governo Lula, pois essa, como foi dito, acalmou os trabalhadores e garantiu a perpetuação do projeto do FHC.
Mas se você teme as privatizações, as precarizações do ensino público, os ataques aos direitos trabalhistas, as perseguições aos movimentos sociais combativos, para você que acredita que deveríamos ter uma distribuição de renda e de terras reais, que permitissem a emancipação da classe trabalhadora, para você que acredita que o poder deveria ser radicalmente democratizado, para você que acredita que a classe trabalhadora deveria gozar de liberdade, então você deve ter muito medo dos próximos quatro anos, pois com Serra ou Dilma, isso tudo vai continuar.
Dilma já anunciou que irá fazer a reforma da previdência se eleita. Se você assistiu aos programas eleitorais e aos debates, acho difícil encontrar uma diferença no que falaram Serra e Dilma. No debate da Globo no primeiro turno, respondendo uma pergunta do Plínio, Dilma disse que está ali para defender a propriedade privada e a ordem. Eu já ouvi esse discurso antes e te garanto que não era de ninguém de esquerda.
A estratégia eleitoral da campanha do Serra foi o terrorismo mentiroso em relação ao PT. Eles diziam: “Lula fez um bom governo, pois foi capaz de segurar o PT. Mas será que Dilma conseguirá?”, tentando passar a idéia de que não era o PT que estava aplicando toda essa política, mas sim o Lula sozinho. Mas era o PT, juntamente com seus aliados do PMDB, PR, PRB e etc que aplicaram esta política que Serra/PSDB/DEM tanto admira.
Escrevo esse texto para todos aqueles que sonham com uma sociedade diferente. Uma sociedade justa e livre de verdade. E por causa disso digo para essas pessoas muito mais do que simplesmente votar nulo no segundo turno. O voto nulo não vai mudar o fato que o projeto da burguesia continuará, independentemente com quem, mais quatro anos no poder. Para você que sonha e acredita, digo para se organizar coletivamente e lutar para defendermos antigos direitos e avançarmos em novos. Avançarmos para uma mudança real das estruturas de poder que oprimem os trabalhadores há séculos.
Vamos lutar no dia a dia com ardor e unidade. Pois, somente se unificarmos a esquerda combativa contra o projeto vencedor dessas eleições, que é o projeto dos empresários, dos banqueiros, dos capitalistas internacionais e nacionais, poderemos ter alguma influência nos rumos da nossa sociedade.
Renan
Democracia burguesa: À quem servem as eleições
Diferente do que acreditavam muitos, as eleições presidenciais de 2010 foi para o segundo turno entre os candidatos do PT/PMDB (Dilma) e PSDB/DEM (Serra).
Mas antes de fazer um debate a respeito das diferenças e similaridades entre os dois candidatos, acredito ser mais importante começar debatendo sobre o que é a democracia eleitoral burguesa e a quem serve.
É fundamental para a esquerda socialista que disputa taticamente as eleições burguesas, não deixar de fazer essa discussão e não cair no pragmatismo eleitoral puro, simples e degenerado.
O capitalismo já passou por diversas crises ao longo dos seus séculos e se hoje ainda vivemos em um sistema onde o homem explora o homem, é porque de alguma forma o capitalismo sobreviveu. Com o passar do tempo, o capitalismo se modernizou e se atualizou inventando novas formas de auto manutenção e de exploração, diferentes das
anteriores, mas tão ou mais brutais que antes.
Na metade do século XX, o imperialismo americano atuou de diversas formas para manter seu domínio capitalista. A partir do pós Segunda Guerra foram feitos investimentos maciços para a reconstrução da Europa e do Japão, ajudando essas economias a se reerguerem e afastando o risco de que os comunistas avançassem em meio a crise. Na Europa, a social democracia serviu como uma luva para o capitalismo, dando alguns direitos essenciais para a classe trabalhadora, para que essa não desejasse uma emancipação efetiva, uma liberdade real e um controle sobre seu próprio caminho e história.
Na América Latina a alternativa foi o financiamento e a ajuda efetiva de golpes militares para derrubada de governos de esquerda ou progressistas, além da perseguição brutal não só daqueles que apresentavam uma alternativa anti-capitalista, como também daqueles que preservavam a ordem, mas fugiam do controle do imperialismo ianque, como é o caso do peronismo.
Com a queda do muro de Berlim e o risco soviético solapado da realidade concreta da classe trabalhadora, juntamente com o fato de que as ditaduras civil-militares encontravam desgastes internos graves, o apoio a esses regimes era não só mal visto, como apresentava um risco ao sistema capitalista conforme as insatisfações aumentavam.
A passagem para democracia foi então lenta, negociada e sem revanchismos, de forma que nas novas democracias se preservassem a estrutura de exploração que sempre existiu. Porém, a possibilidade virtual de que qualquer um pode montar um partido e se candidatar aos cargos públicos trazia um risco de que, através do próprio sistema, alternativas anti sistêmicas fossem levadas ao poder.
Novamente o capitalismo mostra sua força e sua capacidade de adaptação as novas realidades. Mesmo existindo essa teórica liberdade democrática, alguns mecanismos permitem que o sistema se preserve e a possibilidade real de que alternativas anti-capitalistas cheguem ao poder de fato, sejam nulas ou quase nulas.
Isso acontece em todo o mundo democrático burguês. No Brasil, especificamente, percebemos que apenas as campanhas milionárias conseguem se eleger. Isso deve-se ao fato de que, com muito dinheiro, os candidatos conseguem maior visibilidade. No mundo contemporâneo, a imagem é de suma importância. Vivemos numa sociedade onde a imagem está presente em tudo e tudo é espetáculo. O importante é muito mais o visual que o próprio conteúdo. Isso serve também para as eleições. Os candidatos com muito dinheiro conseguem contratar marqueteiros consagrados que irão fazer uma campanha magnífica, em termos técnicos e cinematográficos.
A mídia, no dia a dia, estimula esse tipo de comportamento com seus programas e filmes cada vez mais espetaculares enchendo nos olhos com a magnífica tecnologia visual que nos prende a atenção e nos maravilha. Durante o espetáculo das eleições, não conseguimos dar valor a campanhas que não encham nossos olhos de imagens, cores e cenas espetaculosas.
E da onde vem o dinheiro para fazer essas campanhas espetaculares? Financiamento privado. Empresas como bancos, empreiteiras, empresas de transporte e etc, investem pesado nas eleições. Os bancos que doaram 10 milhões para cada um dos principais candidatos de 2006 (Lula e Alckmin), não fizeram isso por ideologia ou concepção de país, mas sim porque, quando esses candidatos vencem, precisam retribuir o imenso investimento que esses empresários deram a eles. Não surpreende, portando, que os últimos candidatos que venceram as eleições majoritárias no Brasil inteiro tiveram investimento massivo de empresários e fizeram governos que beneficiaram muito esses empresários.
Outra forma de garantir que nenhum candidato socialista chegue ao poder, ou consiga divulgar suas idéias de forma ampla, é o horário eleitoral gratuito. Esse espaço público na TV é importante e necessário (algo que não existe nos EUA, por exemplo), mas conseguiram transformar até mesmo isso em algo desproporcional e anti democrático. O tempo não é dividido igualmente (isso por si só já é bizarro), e o critério de quem vai ficar com mais tempo ou menos é definido pelas alianças e pela bancada parlamentar.
Ou seja, caso você queira ter um grande tempo na TV, você precisa se aliar de preferência com aqueles partidos que tem uma grande parlamentar. Caso seu próprio partido queira ter uma ampla bancada parlamentar, precisa contratar um bom marqueteiro para fazer uma propaganda bastante espetaculosa e eleger muitos candidatos. Esses marqueteiros são MUITO caros e a própria campanha, para ser grande, é muito cara, então você precisa de dinheiro e, portanto, você precisa aceitar o investimento dos empresários. Sendo assim, mesmo que eu ache que o capitalismo deve ser derrotado, se eu acreditar que devo fazer isso por dentro do
Estado, preciso ter tempo de TV e para ter tempo de TV, preciso ter bancada parlamentar e aliados fortes e para ter bancada, preciso de uma campanha grande e para uma campanha grande, preciso de muito dinheiro que, nessa quantia, só pode vim de mega empresários.
Opa! Será que alguém aí percebeu que, mesmo eu sendo um socialista convicto, caso acredite que devemos chegar ao poder através das eleições, tenho que me integrar ao jogo eleitoral elitista e não democrático? Será que me integrando a esse jogo eleitoral eu conseguirei depois falar para os meus aliados de partidos da burguesia e para os empresários que investiram em mim, que meu governo será contra eles?
Esta é a auto preservação do capitalismo no sistema “democrático”. E assim, a classe trabalhadora vota e vota, eleição após eleição e percebe que nada muda na sua vida.
Não fica difícil, portanto, de entender aqueles que aceitam vender seu voto, pois é
a única maneira de conseguir algo com a eleição. Nos bairros mais pobres, todas as casas têm placas de candidatos que pagaram para porem seu nome e número ali. Isso é estimulado pela própria mídia que vende a idéia de que democracia é, a cada dois anos, você escolher o cara que vai te representar politicamente. A pessoa que irá fazer a política por você e o seu papel é de mero fiscal.
Não fica difícil também entendermos que a classe trabalhadora, no meio de um processo constante de alienação da classe dominante (que tem na grande mídia sua maior aliada), quando suas condições de vida melhoram minimamente, o responsável receba todo e sincero apoio. Mesmo que na política geral, os mais ricos tenham ficado cada vez mais ricos, direitos históricos tenha sido, eu estejam em processo de retirada, que setores discordantes sejam perseguidos. Mas o cara, que antes quase não tinha como comer, recebe uma assistência e pode assim comprar um pouco de alimento.
Esse cenário cria um imenso desafio para a esquerda socialista combativa. Como chegar até esse trabalhador e dizer que sua vida melhorou um pouco, mas que ele precisa se organizar e lutar porque sua vida pode melhorar muito, e ele pode ter liberdade de fato? Como dizer para ele que conseguir dinheiro para comer não é tudo, e que liberdade de fato seria ele não se preocupar com comida, ter tempo e oportunidades de lazer, emprego garantido e salário digno? Como falar para aluno do PROUNI, que antes não poderia estar na Universidade, que na verdade ele deveria estar era numa universidade pública de qualidade (se no início por um sistema paliativo, no final por acesso direto)?
O mais importante para os socialistas é estarem, prioritariamente, atuando no dia a dia da classe trabalhadora. No seu local de trabalho, ou de moradia, nas ocupações urbanas e rurais, nos sindicatos ou nas oposições sindicais, nos diretórios e centro acadêmicos. E nas eleições, usarmos, sem jamais nos vendermos ao jogo eleitoral degenerador, esse espaço mínimo onde se debate minimamente política, para denunciarmos e apontarmos saídas reais. Dizermos que algumas pequenas melhorias são boas, sim, mas o que nós queremos melhoras de fato e não ajudas assistencialistas e personalistas que servem como um calmante social.
Precisamos defender que existam bolsas emergenciais para os mais miseráveis, desde que isso seja uma política de transição e seja acompanhada de uma política de democratização radical do poder, e medidas distributivas que tire o lucro dos mega empresários e a terra dos latifundiários e não reforce isso, pois só assim as medidas paliativas não irão ser o fim em si mesmo, como têm sido nos últimos governos e a distribuição de renda poderá ocorrer concretamente.
A direita e o capitalismo, seja de que pseudo lado esteja nessas eleições, irá manter a política de “bosificação” com os lucros exorbitantes de banqueiros e empresários, pois essa é uma medida de auto preservação do capitalismo que deu certo e que não deve ser mudada (isso no centro da América Latina, onde logo ao lado a população está se organizando e reivindicando avanços). Dessa forma o capitalismo se renova e mantém e manterá sugando o sangue e o suor da maioria explorada da população.
Renan Soares
terça-feira, 25 de maio de 2010
Memórias de um Operário Menos Conhecido
Meu nome é José Nascimento da Silva e vou contar agora a história de parte da minha vida.
Tudo começou há muito tempo quando eu ainda era um moleque de 10 anos de idade e vivia com minha mãe Márcia e minha vó Leocádia numa comunidade pobre de uma grande cidade. Minha mãe, empregada doméstica, saía as quatro horas da manhã para ir trabalhar e me deixava aos cuidados da minha vó que me arrumava e me levava para a escola.
Eu gostava de ir para a escola. Era lá que via meu melhor amigo Roberto. Roberto era um garoto muito esperto e companheiro, admirado pela maioria das pessoas, mas somente eu tinha o privilégio de receber o título de seu Melhor Amigo. Sempre o chamava de Beto, mas as outras pessoas costumavam chamá-lo de Azulão, devido a sua pele tão negra que mais parecia um azul escuro. Beto não ligava, na verdade até gostava, dizia que era mais fácil ganhar dos “pálidos” no pique-esconde, brincadeira que de fato ele era mestre.
Na verdade era difícil achar algo que Beto não era bom. Diferente de mim que sempre fui uma negação nos esportes, Beto era o primeiro a ser escolhido na pelada diária depois da escola.
Foi numa dessas peladas que nossa calma vida de moleque sofreria uma reviravolta impressionante.
O jogo já havia começado no campinho de terra perto de nossa casa. Eu buscava meu melhor posicionamento no campo, o mais distante possível de qualquer chance de passe ou outra participação na jogada e Beto já havia feito 2 dos 4 gols da vitória parcial de nosso time por 4 a 1. Foi quando ouvimos o pipoco característico de dois tiros seguidos de um. Mesmo naquela época, já estávamos acostumados com esse tipo de som, mas o que chamou nossa atenção dessa vez foi a direção dos disparos.
Beto morava com a mãe e o pai a três casas da minha. Minha mãe não gostava muito da minha amizade com Beto, pois dizia que falavam por aí que os pais deles eram envolvidos com coisa ruim. Na casa deles, de vez em quando e na maioria das vezes de madrugada, apareciam pessoas de fora da comunidade e ficavam lá dentro um tempão até saírem também escondidos. Beto nunca falava sobre isso e eu também não perguntava muito. Porém, as vezes que vi seus pais, eles me pareceram pessoas muito boas.
Como eu ia contando, era de lá que viam os disparos... Eu e Beto imediatamente abandonamos o jogo, apesar dos protestos de alguns mais lesados. Corremos lado a lado – mentira, ele correu bem à frente, é obvio, e eu fui tentando alcançá-lo. Quando viramos a esquina vimos as sirenes da polícia e um monte de curiosos que já se aproximavam do local e o local, como temíamos, era na frente da casa do Beto.
Beto sempre soube, desde o momento que ouviu os disparos, que eles vinham de lá, mas desejava estar errado. Quando finalmente cruzei pelos curiosos em volta do local vi Beto parado, aparentemente sem reação olhando a cena. Nunca mais vou esquecer disso... Apesar de sua aparente falta de expressão, vi quantos sentimentos estavam em seus olhos enquanto mirava para seu pai e sua mãe deitados numa poça de sangue. O pai jazia deitado sobre o corpo da mãe. No corpo dela havia dois tiros no peito e no pai um tiro na nuca. De dentro da casa os policiais tiravam muitos papéis e três armas: duas pistolas e um rifle. Na roda de curiosos muitos comentavam coisas como: “Eu sempre soube que eles não eram boa gente.”, “Aposto que vendiam drogas.” e até mesmo: “Não duvidaria que o filho estivesse nessa também.”.
Nunca na minha vida, até aquele momento, havia sentido tanta raiva como eu senti daqueles abutres. Não sabia e nunca soube o porquê os pais do Beto foram mortos e mesmo tendo, um grande jornal, no dia seguinte estampando na capa a frase: “Terroristas mortos”, eu não conseguia ver maldade naquelas pessoas.
Minha mãe chegou mais cedo do trabalho, pois havia recebido a notícia de um vizinho fofoqueiro. Veio direto até mim e me puxou arrastando para fora do tumulto, escapei de suas mãos, corri até Beto, lhe dei um abraço não correspondido e falei assim no seu ouvido: “Eu nunca vou te abandonar Beto!”, ele nada respondeu e continuou ali parado enquanto minha mãe me arrastava e tagarelava no caminho para casa.
Beto foi para a casa da tia que ficava do outro lado dessa mesma comunidade. Continuamos nos vendo na escola até o final daquele ano, mas nunca mais voltamos juntos para jogar a tradicional pelada depois da escola. Beto dizia que sua tia não deixava e que agora ele morava mais longe, mas sei que ele também não andava com ânimo para mais nada, o que não era surpresa. Eu me sentia triste por não saber como ajudar.
Nas férias de verão daquele ano fui visitá-lo duas vezes. Brincamos um pouco e eu voltava antes que escurecesse. Minha mãe não gostava da idéia, mas deixava quando eu insistia muito e as vezes ia escondido. Mesmo brincando de tudo que brincávamos antes Beto não parecia mais o mesmo.
No primeiro dia de aula do ano seguinte esperei por ele e não o vi. Esperei uma, duas semanas sem ter notícia. Decidi que ia passar na sua casa depois da aula sem que minha mãe ou minha vó soubessem. Chegando lá encontrei a casa vazia sem ninguém. Sentei na soleira da porta e esperei, esperei e esperei. A noite já avançava muito e eu não tinha mais nenhuma esperança de encontrá-lo quando o vi chegando. Beto me explicou que agora estava trabalhando na mesma indústria que seus pais trabalharam. Sua tia o obrigou, porque as despesas aumentaram muito com sua presença lá. Ela passava dias fora de casa e depois dias em casa sem fazer nada, Beto não tinha a menor idéia do que ela fazia. Disse também que o trabalho é pesado, difícil, muito cansativo e que seu salário vai todo para pagar as contas e comprar comida. Beto guarda cinco reais todo mês para alguma emergência.
Conversamos até muito tarde, para desespero da minha mãe, que me esperava acordada, chorando e não sabia se me batia, me beijava, me xingava ou abraçava quando eu cheguei.
Os anos se passaram e desde aquele dia eu não mais vi o Beto. Dois anos depois minha vó morreu quase no mesmo período em que minha mãe foi demitida. A vida tornou-se cada vez mais dura, a gente nunca saía para se divertir e passei a usar o fim de semana para descolar uns bicos e ajudar na renda de casa. Minha mãe fazia questão que eu terminasse a escola e assim fiz. Meio aos trancos e barrancos, mas consegui. Estava livre para procurar um emprego de verdade.
Tomei muita portada na cara. Muitos nãos. Trabalhei em diversos lugares e fui até camelô por um tempo. Mas meu primeiro emprego com carteira assinada foi numa fábrica perto dali. Esse foi um momento muito marcante na minha vida. Nunca havia esquecido meu amigo de infância Beto, mas essa era uma daquelas lembranças que pertenciam somente à um passado que hoje parecia tão distante. Qual foi minha surpresa ao ver Beto, o Azulão, ali entre os trabalhadores na linha de montagem da fábrica.
Beto quase não me reconheceu, e para falar a verdade ele também estava bem diferente, mas reconheceria aqueles olhos astutos em qualquer lugar. Nos falamos rapidamente, até sermos repreendidos pelo capataz que nos mandou voltar ao trabalho. Almoçamos juntos e rapidamente trocamos algumas idéias, mas o tempo de almoço também não era suficiente para amigos separados há 10 anos. No fim do turno resolvemos trocar umas idéias num bar que ficava nas redondezas tomando algumas cervejas.
O assunto rendeu algumas garrafas postas na conta do Beto, para desgosto do, com razão, desconfiado, dono do boteco que disse: “Só porque é você Beto e porque eu tinha muita consideração por seus pais.”. O assunto variou muito. Falamos dos tempos de criança, das travessuras, das brincadeiras. Falamos do período que não nos vimos, o que fazemos, os romances, e o dia-a-dia difícil do cotidiano do trabalhador. Falamos também de coisas do presente. Beto me disse que faz parte do sindicato e que lá conheceu diversas pessoas que eram amigas de seus pais e não só por isso, têm grande admiração por ele.
Ao falar disso, Beto parecia não estar mais exausto e com sono e seus olhos brilhavam da mesma forma que brilhavam quando íamos jogar bola depois da aula. Ele me disse que é difícil e que devemos tomar muito cuidado, mas que acredita que vale a pena porque um dia a vida dos trabalhadores negros e brancos pobres iria mudar! Confesso que era a primeira vez que eu ouvia coisas assim e que muito do que ele falou eu não entendi, mas só pela forma que Beto falava me motiva para seguir seus passos.
Nos aproximamos novamente e logo eu percebi o quanto Beto era popular naquela indústria. Bom, pelo menos entre os trabalhadores, o capataz e pelo que contam, o dono da fábrica que nunca víamos, não iam muito com a cara de Beto.
No refeitório havia uma grande imagem de um homem branco, com seus 40 anos, de terno e gravata, loiro e de olhos claros, com um sorriso no rosto. Diziam que aquele era o dono da fábrica e todos temiam aquele retrato que parecia vigiar-nos.
Conheci muitos amigos dele que compartilhavam do seu sonho de uma vida melhor para os trabalhadores e aos poucos fui entendendo como funcionava a dinâmica do sindicato.
Muitas vezes o patrão arrumava um jeito de boicotar e persegui os membros do sindicato e certamente Beto era um dos mais visados. Ele me explicou que já fora pior e que agora as coisas estavam mudando. A vez do trabalhador chegaria!
Pouco tempo depois os trabalhadores entraram em greve geral e eu acompanhei de perto a atuação de Beto e de outros líderes naquela greve. Lutávamos por melhores salários, melhores condições de trabalho entre outras demandas. Foi a coisa mais impressionante, assustadora e bonita que já tinha visto. Um mar de gente até onde a vista alcançava estava no pátio ouvindo Beto e os outros falarem. As faixas, as palavras de ordem, isso tudo me fez acreditar pela primeira vez que aquele mundo diferente que Beto tanto falava poderia, de fato, vim a ser real!
A greve durou vários dias e o governo declarou que aquilo era ilegal. Os trabalhadores decidiram não voltar ao trabalho. Depois foi feito um acordo e somado a exaustão de dias de luta, a greve terminou.
Infelizmente não só os patrões descumpriram o acordo como dias depois o presidente do sindicato, Beto e mais 16 sindicalistas foram presos e afastados do sindicato.
Me doeu no coração ver no jornal o dono da fábrica chamando os grevistas de vagabundos e oportunistas. Sabia que isso era mentira e que Beto não era assim.
Era esse tipo de dificuldade que Beto já havia me falado e me alertado. Ele me dizia: “Zé, as coisas serão muito difíceis. Ainda apanharemos muito antes de conseguir mudar tudo!”. Com isso em mente, em nenhum momento perdi minha fé em Beto e suas idéias.
O tempo foi passando. Disseram que o regime político havia mudado. Eu devo confessar que não notei tanta diferença. Na verdade, as coisas pareciam ficar cada vez mais difíceis.
Beto conseguiu voltar ao trabalho e a sua luta, mas pelos olhos dele eu sentia alguma coisa diferente. Isso me lembrou daquele olhar do dia em que seus pais foram assassinados. E eu não gostei disso.
Beto estava cada vez mais afastado de mim. Não fisicamente como quando éramos crianças, pois passávamos o dia todo juntos, mas o sentia longe. Seu discurso também foi mudando aos poucos. A sociedade que ele tanto sonhava e que seria tão difícil de conquistar, para ele estava cada vez mais próxima e cada vez mais fácil de chegar lá. Eu estranhava, porque não sentia mudanças significativas acontecendo.
Um dia Beto veio conversar comigo. Ele seria candidato nas próximas eleições e me chamou para participar da campanha. Fiquei feliz por ele, mas disse que seria muito difícil devido ao trabalho diário na fábrica. Beto então me disse que ia largar o emprego, pois estava ganhando para fazer política e que poderia me ajudar. Respondi que iria ajudá-lo sim, mas que continuaria na fábrica e ele aceitou.
Falei com muita gente, distribui muito panfleto no trabalho. Fazia isso, mas sentia que cada vez mais fazia pela amizade e não pela política. Tentei afastar esses pensamentos, afinal de contas Beto nunca iria desistir de mudar o mundo, pelo menos era o que eu queria acreditar.
Beto foi eleito e pela primeira vez o vi usando terno. Confesso que achei horrível, não combinava com ele, mas Beto adorou. Andava o dia todo com aquele terno quente. Ele me convenceu a ser seu assessor no gabinete. Os tempos estavam difíceis e o salário era o mesmo para trabalhar menos. Aceitei, mesmo com o pé atrás.
Outras eleições vieram e o Beto foi crescendo na política.
Outro dia aconteceu algo que me levou estar sentado aqui escrevendo minhas memórias. Algo que feriu e apertou meu coração, como se um trator passasse por cima dele. Eu havia perdido meu amigo Beto...
Estava em seu escritório quando ele recebeu os líderes de uma greve de professores por melhorias salariais, entre outras demandas. Fiquei curioso em assistir a reunião. Acreditava que aquilo poderia trazer o velho Beto de volta e que seria uma ótima oportunidade de conseguir vitórias pelas quais Beto e outros haviam sido presos e todos haviam lutado tanto. Foi quando aconteceu...
A Reunião estava num impasse. Os trabalhadores não queriam recuar em suas reivindicações mínimas e Beto teimava que elas eram utópicas. Em um momento de raiva Beto levanta e diz:
“Vocês são um bando de vagabundos e oportunistas! Saiam já de minha sala!”.
Foi um tiro no peito. Tão forte quanto o tiro que acertou a mãe de Beto há muitos anos atrás naquela comunidade pobre perto daqui. Mas esse tiro que acertou Beto foi dado por ele mesmo.
Voltei para casa arrasado. Sentei de frente para a televisão e fiquei assistindo sem assistir. Pensando no que acabara de acontecer. Derrepende, reconheci um antigo companheiro de sindicato que falava pela TV. Aquele terno também não lhe caia bem. Era da mesma marca que matara o Beto. Ele estava tão diferente. Não era somente a roupa chique ou a velhice. Não reconheci as palavras daquele velho companheiro como não reconhecia mais as do Beto.
Tomei uma decisão. Não consegui dormir essa noite, então sentei aqui e comecei a escrever essa carta que provavelmente nunca mostrarei para ninguém. Saindo daqui vou até o escritório do Roberto e acabarei com isso.
José saiu de casa e o sol havia acabado de nascer. Pegou o ônibus que levava até o centro da cidade, onde ficava o escritório de seu amigo de infância. Fez tudo isso como no piloto automático. Seus pensamentos continuavam viajando por aquela histórias que acabara de escrever, revivendo cada momento ao lado do falecido companheiro.
Subiu o elevador que dava na sala onde trabalhava. Chegara logo depois do Roberto que estava de costas olhando pela janela.
“Beto” – Chamou José, mas não conseguiu a atenção.
“Beto” – Insistiu um pouco menos tímido.
“Senhor?” – Tentou.
Roberto olhou para trás e viu que ali estava seu velho amigo de infância.
“Grande Zé! Estava agora mesmo pensando em você! Estava lembrando de quando éramos moleques e brincávamos de bola depois da aula. Você sempre foi um perna-de-pau!”.
“Quem diria, né Zé, que um dia chegaríamos aqui?”.
“Quem diria...” – Respondeu Zé cabisbaixo. “Beto... Tô fora. Não vou mais trabalhar com
você. Arrumarei um emprego. Não precisa me procurar.”
“Você está louco Zé?! Logo agora que conquistamos tudo aquilo que lutamos quando
trabalhávamos naquela maldita fábrica?! Você não pode desistir de tudo agora!”
“Não estou desistindo. Meu amigo Beto me ensinou que as coisas seriam muito difíceis, mas
que no final iríamos mudar tudo. Agora eu entendo o quanto difíceis essas coisas se tornaram. Mas um dia tudo vai mudar. Eu sei disso.”
“Mas as coisas mudaram! Quando na história desse país você teria um político sindicalista
negro e um presidente...”
“Sindicalista?” – Interrompeu José – “Negro? Olhe-se no espelho, Roberto.”
Dito isso José virou as costas e saiu porta a fora, sentindo-se muito aliviado, apesar de triste.
Ainda surpreso Roberto caminhou na direção de um grande espelho que havia em seu escritório. Mal conseguiu acreditar no que via. Encarando-lhe nos olhos, do outro lado do espelho, havia um homem branco, com seus 40 anos, de terno e gravata, loiro e de olhos claros, com um sorriso no rosto.
terça-feira, 30 de março de 2010
Serão Dilma e Serra iguais?
Dizer que o governo Lula foi igual ao governo FHC não é só errado, como também um problema tático gravíssimo. Assim como é provável que um governo Alckimin fosse diferente de um segundo mandato do Lula, mas isto não podemos estipular, ainda mais nós pretensos historiadores.
A questão é, quais são essas diferenças? Lula foi eleito em 2002 com amplo apoio dos movimentos sociais que apostavam no projeto democrático popular do PT e imaginavam que através do governo Lula poderíamos ter um freio ao neoliberalismo e uma política ligada aos movimentos sociais. Grande ilusão. Já em 2002 o PT mostrava para que veio, quando a principal meta do partido passou a ser a vitória eleitoral, coerente a tal projeto democrático popular. Para isso, aceitou-se aliança com partidos da burguesia e financiamento de campanha feito por grandes empresários. Alguns setores honestos do PT - pois a grande maioria já estava envolvida com essa nova concepção de que o mandato deve ser o principal foco - achavam que poderiam "bater uma queda-de-braço" com esses partidos burgueses aliados ao empresariado e ao capital internacional que olhava atentamente para o Brasil. Logo logo essa queda-de-braço mostrou-se o quão era desigual. A linha da "governabilidade" do PT fez com que o partido fizesse o jogo da burguesia e aplicasse uma política coerente com o capital internacional.
Porém a conjuntura histórica internacional e nacional era bem diferente da conjuntura da Era FHC. Na América Latina, via-se a chegada ao poder, atravéz das eleições burguesas, alguns governos reformistas que representavam um freio às políticas neoliberais imperialistas norte-americanas - como é o caso da Venezuela, da Bolívia e do Equador. No Brasil, apesar de algumas diferensas, os movimentos sociais estavam nas ruas fazendo a campanha de Lula em 2002 e não foi atoa que haviam milhares de pessoas em sua posse como presidente. Não eram pessoas que simplesmente estavam passando por lá e resolveram ficar. Lá estavam os movimentos sociais dando um recado: "Lula pode fazer, que nós garantimos!". A conjuntura, portanto, não era favorável à políticas dos tucanos de privatização explícita e vergonhosa dos bens nacionais.
Lula surge então como uma alternativa perfeita para o avanço tranquilo destas políticas. Aí está a grande diferensa entre os dois governos. Lula pega os esboços das políticas sociais assistêncialistas de FHC e aplica de forma real. É impressionante o número de pessoas atingidas pelas bolsas pelo Brasil a fora. Esta política, intimamente ligada a figura pessoal, carísmática e "com a cara do povo" - como dizia o lema da campanha de 2006 - de Lula, de fato tirou da miséria um número impressionante de pessoas. Onde se morria de fome, agora, com os cento e poucos reais do governo e uma cesta básica, isso não ocorre mais.
Ao mesmo tempo, aplica-se uma política voltanda para a burguesia. A Reforma previdênciária, por exemplo, que atingiu de forma mais bruta o funcionalismo público, se adequa perfeitamente as demandas do mercado. As privatizações continuam, como a da rede ferroviária, porém desta vez não é possível fazer um processo muito explícito. Os leilões do petróleo são, por exemplo, uma forma discreta de privatização. Entrega-se ao grande capital internacional a extração de uma grande reiqueza brasileira. O Pró-UNI, com a desculpa de possibilitar a entrada de pessoas da classe mais pauperizada na universidade, entregam esses estudantes para uma rede de ensino privada, cujo a lógica não é formar um cidadão crítico, mas sim formar, o mais rápido possível uma mão-de-obra para o mercado de treabalho. Isto junto com um crescimento assustador das universidades particulares nos ultimos 10 anos.
Segue a mesma lógica o projeto do governo federal para uma reforma universitária, o REUNI. Este, foi apresentado através de um decreto que estipula metas a serem cumpridas para que o dinheiro seja repassado para as universidades federais. Estas tinham um prazo para “escolherem” aderir ou não as metas, tendo em vista , é claro, que quem não aderisse não receberiam as verbas. Para além da forma autoritária que praticamente todas as universidades federais aprovaram o projeto – fazendo votação dentro de quartel, dentro do palácio de juntiça com PM na porta não deixando a oposição entrar, como foi no caso da UFF -, o projeto prevê o aumento de 100% do número de alunos nas universidades, com um aumento de 20% do números de professores, o que geraria salas de aula super lotadas. O tempo de graduação também seria reduzido. As metas também estipulam a dissolução do tripé ensino-pesquisa-extenção e um aumento para 90% de taxa de conclusão – superior a inúmeros países desenvolvidos – que levaria os professores, pressionados pela ameaça de não vinda das verbas, à uma não intitucionalizada aprovação automática, entre outras coisas. Essas metas tem um claro objetivo de ampliar o número de vagas nas universidades, aumentando o número de estudantes vindo das classes mais pobres da população, respondendo assim à uma demanda atual do mercado, de uma mão-de-obra mais qualificada. Esta qualificação é feita o mais rápido possível, para poder suprir esta necessidade do mercado, tranformnando a universidade pública numa verdadeira fabrica de mão-de-obra.
Desta forma, o governo apropria-se de bandeiras históricas dos movimento sociais, distorce para que sirvam para os interesses do capital, e aplica na sociedade. Para isto conta com a ajuda de organizações de base como a UNE e a CUT, que devido a suas direções majoritárias, que não só são do PT e dos partidos governistas – como o PCdoB- , como também passaram a compor formalmente este governo. Extremamente burocratizadas tornaram braço direito do governo, aplicando no movimento as políticas ditadas pela presidência, acabando assim com a independência política que estas organizações devem ter com os governos.
A crise econômica que, segundo o governo, não atingiu o Brasil, fez e ainda faz vítimas dentro da classe trabalhadora. Sem nenhuma intervenção estatal, grandes empresas demitem milhares de trabalhadores para tentarem escapar da crise. Estes trabalhadores não encontram nenhum respaldo em suas organizações sindicais ligadas à CUT que seguem a linha do governo e do empresariado, de socialização dos prejuizos.
O governo reprime duramente os sindicatos de luta, como é o caso do ANDES (Sindicato nacional dos professores) que passou a não ser mais reconhecido como representante dos professores pelo governo que também tirou o disconto em folha dos filiados ao sindicato, dando um duro golpe nas financias deste sindicato. Durante a greve da previdência, que não pedia nada mais que a manutenção de velhos direitos, o governo além de não atender a nenhuma revindicação, decretou a greve ilegal e passou a contar os dias de greve como falta no trabalho.
Sim. O governo Lula foi diferente do governo FHC e certamente seria diferente de um governo do Serra ou do Alckimin. O governo Lula soube aplicar o projeto neoliberal da burguesia nacional e internacional, ao mesmo tempo que com sua política assistêncialista e paternalista, deu ao povo um mínimo necessário à sobrevivência, evitando grandes agitações populares como na Venezuela, Bolívia e Equador. Não é atoa que durante o governo Lula, os bancos batessem recordes e mais recordes de lucro.
Não acredito que Dilma e Serra sejam iguais. Mas certamente, pelo que vimos nos últimos 16 ou mais anos, os dois estão ali representando o setor dominante da sociedade brasileira. Estão a serviço do capital e por isso mesmo são apoiados por partidos da burguesia e por grandes empresários, que não estão unidos – não na corrida presidencial pelo menos – devido apenas a uma disputa de poder.
É importante deixar claro que a falça alternativa à esquerda de Marina do PV, também deve ser posta ao lado de Dilme e Serra na defesa do status quo da sociedade brasileira. Não é atoa que em seu partido, o PV, estão filiados os mais ricos empresários brasileiros, que aderem à um ambietalismo de mercado que trata as questões ambientais de forma superficial, mas que faz bem, atualmente, ao nome da empresa. O PV de Zequinha Sarney, é aliado ao PSDB no Rio de Janeiro e certamente aliado ao PT em inúmeros estados e municípios brasileiros.
Devemos apresentar nesta campanha eleitoral uma candidatura que seja autenticamente anti-capitalista e claramente socialista. Nesta campanha, devemos denunciar não só que Dilma, Serra e Marina, representam o mesmo projeto – com algumas diferensas pontuais – mas também denunciar a farça das eleições. Dizer que fazer política não é somente ir votar a cada 2 anos como se diz na Globo. Fazer política é se organizar e lutar pelos direitos dos historicamente explorados por este sistema. Nossa campanha deve estar voltada para e construída com os movimentos sociais, falando de uma ampla e real reforma agrária, reforma urbana, reforma eleitoral (contra o financiamento privado de campanha por exemplo), pelo fim do senado corrupto. Uma campanha de esquerda que ponha o dedo na ferida dos poderosos.
A eleição, a representatividade no parlamento burguês, não deve ser desprezada, pois é um importante espaço de denúncia. Mas os partidos de esquerda devem saber que seu foco principal é na atuação junto aos movimentos sociais. É na disputa das organizações da classe trabahadora, conscientizando e chamando para a luta no dia-a-dia.
É por isso que nós, de parte do PSOL, chamamos a candidatura de Plínio de Arruda Sampaio, e chamamos para fazer parte deste “projeto socialista para o Brasil” os partidos da Frente de Esquerda (PSTU e PCB) e também os movimentos sociais. Neste momento em que se apresenta uma falça polarização entre PT e PSDB – que nada mais é que uma disputa administrativa – e uma falça alternativa, que é a Marina (PV), a esquerda socialista deve estar unida numa frente única, não só nas eleições, mas principalmente na atuação nos movimentos sociais.
Renan da Cruz Padilha Soares
Partido Socialismo e Liberdade
Coletivo Socialismo e Liberdade
segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010
Sobre Ônibus e Telefones
São três horas da manhã e o telefone toca... Normalmente não gosto de receber ligações de madrugada, tenho sempre a impressão que se alguém ta me ligando a essa hora, não pode ser boa coisa. Mas desta vez foi diferente.
Foi diferente porque eu tinha certeza de quem era e tinha certeza de quem era, porque a 5 minutos estava falando com esta pessoa pelo telefone. 5 minutos foi o que Ela precisou para jogar no papel uma linda poesia que sua mente inquieta a impulsionou a escrever e 5 minutos foi o que ela precisou pra me emocionar e surpreender, novamente, com aquela poesia.
Um “Romance sobre rodas” é muito significativo, pois representa não só como nos conhecemos na viagem de ônibus para Porto Alegre, não só nossas viagens através do Rio para nos vermos, para reuniões, para comemorarmos – ou lamentar no seu caso – mais um vice de seu time – não pude deixar de fazer a piadinha -, como a roda que nos leva a tantos lugares e a janela, “sem grades”, que olhamos para o mundo em movimento, representam quem somos, pois acreditamos nesse eterno movimento do mundo, da história, da mudança, sem nos preocuparmos com “retrovisores”, olhando para frente e querendo que o lugar para onde estamos indo, seja ele qual for, venha ser um lugar diferente e melhor para nós e para todos ao nosso redor.
Acredito que tenha sido mais ou menos isso que tu tenhas tentando passar em seu poema. Mas eu aqui, sentado em frente ao computador e com o coração pulando de alegria com a maravilhosa surpresa da madrugada, penso em mais uma coisa que vai lembrar-me desse nosso romance. Acho que talvez bem menos poético que os veículos de sua poesia – até porque eu precisei bem mais de cinco minutos para conseguir escrever algo sobre nós, e só conseguir depois dessa injeção de alegria que tu me destes – o telefone será algo pra mim marcante. Não consigo fazer metáforas sobre esse aparelho do mundo moderno para nós, mas toda vez que o ouço tocar sei que meu coração pula mais forte, pois com ele podemos viajar em nossas palavras, sem precisar de motor ou rodas.
sábado, 20 de fevereiro de 2010
quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010
Desconstruindo
Desta vez farei questão de nomear minha tão agradável interlocutora telefônica que, mais uma vez e algumas horas a mais de conversa, faz minha cabeça borbulhar de idéias: Laila. Se continuar assim, vou acabar virando escritor, pois afinal de contas hoje qualquer um pode ser.
Falando em “qualquer um” pode ser escritor, vou pedir a vocês meus amados leitores [os primeiros traços de esquizofrenia começam a aparecer] uma pausa para fazer a propaganda do blog de um companheiro meu de lutas e de álcool. Meu anarquista favorito – provavelmente o único -, kiko: http://anarconerd.blogspot.com/
Publicidade a parte, o assunto transmitido por fibra ótica que, desta vez me inspirou foi sobre relacionamento. Amor, paixão, companheirismo, ou seja, todos aqueles assuntos extremamente batidos e que provavelmente todos já falaram tudo que já tinham pra falar. Portanto, se acharam que dessa vez eu iria escrever algo mais interessante do que foi escrito nos últimos 3 posts, esqueçam e vão arrumar algo pra fazer. Ultimamente, por motivos óbvios, este é o assunto que me inspira a escrever. Contentem-se, não foi por falta de aviso. Como vocês já sabem – ou os que leram o último post já sabem – não tenho mais medo de ser repetitivo, banal, e todos os outros belos adjetivos que muitos já devem ter dado para meu blog.
Não sou mais um romântico! Calma meninas! Não deixarei de ser o homem gentil e sensível que sempre fui [minha esquizofrenia avança mais rápido que eu imaginava... será que chego ao fim do post?]. O que quero dizer é que na verdade nunca fui romântico. O que é ser romântico? Se pensarmos em termos histórico-literários o romântico é aquele cara que, como no século XIX, corteja a mulher, leva presentinhos, a conquista e no final pede a mão da menina para seu pai. Ou seja: a mulher é um sujeito passivo da história, algo a ser conquistado, o que ela faz é aceitar ou não e no final, quem dirá se este objeto pode ou não ser possuído pelo romântico, é o macho-alfa do bando, - ou o “patriarca da família” para quem prefere um termo mais romântico -.
Não... Definitivamente não sou este romântico e definitivamente é contra isso que luto. Por isso vim aqui desconstruir esta imagem. Foi contra isso que as mulheres lutaram durante o século XX, principalmente, e hoje em dia. É exatamente este amor romântico valorizado em telenovelas, filmes holiwoodianos e vendido para nós como tipo ideal de relacionamento. Depois dizem que a mulher já conquistou tudo que tinha a conquistar. Um relacionamento é algo construído por dois e os dois são sujeitos ativos de tal relacionamento, assim como devem ser sujeitos ativos da sociedade.
Já tomei providências para desmitificar esta idéia e certamente a principal delas foi sair da comunidade do Orkut “românticos assumidos”! Este foi um ato de bravura revolucionária e incentivo que todos aqueles que querem mudar nossa sociedade façam coisas parecidas em seus orkuts, pois afinal de contas é assim que aprendemos que as coisas poderão mudar... Ou será que,...
[Atenção! Minha esquizofrenia atingiu um alto grau, pois começo a achar que a sociedade na verdade se muda nas ruas e de forma coletiva.]
Oh, droga! Os Federais!
(...)
quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010
Sem Medo de Ser Idiota
Uma conversa de cerca de três horas e meia ao telefone possui duas características básicas. Não estou falando da dor na orelha, ou a dor no coração que dará no final do mês ao receber a conta. As duas características básicas da qual me refiro são primeiro: a conversa deve ser muito agradável. Isto porque, mesmo que uma pessoa chata e insistente te ligue e você, que certamente é muito educado – é fácil presumir isso pelo simples fato de que estás aqui lendo este malfadado blog -, a conversa não há de durar mais de uma hora - e caso dure é bom que você procure um especialista que te ensine a dizer “não” ao telefone, ou ao receber o link de um blog-.
A segunda característica básica é aquela que me importa nesse post especificamente. Numa conversa de cerca de três horas e meia, normalmente é abordado uma grande variedade de assuntos, tão grande quanto à variedade de assuntos que este blog pretende abordar. E por isso mesmo, durante esta agradável conversa de três horas e meia, tive umas centenas de idéias sobre o que escrever no meu blog.
Dentre tantos assuntos, um me chamou atenção. Quando meu interlocutor falou que não precisamos ter medo, ou vergonha de sermos idiotas de vez em quando. Ou seja, se nos preocuparmos em sempre falar ou escrever coisas inovadoras, inteligentes, ou qualquer coisa nesse sentido estaremos renegando o nosso lado humano idiota. Aquele lado que escreve coisas que soa retardado para todo mundo, mas que fará total sentido para uma ou duas pessoas no máximo. Além do mais, se quisermos apenas escrever aquilo que ninguém jamais escreveu, é melhor desistir e procurar o que fazer na internet – Orkut -, pois ao longo de milênios de civilização, te garanto que tudo já foi dito. Isto não tira o mérito, ou a beleza de algo reciclado após anos. Mesmo pequeninos, enxergamos mais longe quando subimos nos ombros de gigantes [frase não minha].
Por fim, essa longa introdução nada mais foi que uma justificativa patética de um poema – se é que posso chamar assim – patético que escrevi um dia desses. Mas meu agradável interlocutor de três horas e meia no telefone, me convenceu de que não devemos fugir de nossas pateticidades.
Então aí está... E vou logo alertando... Terão mais por vir. [Isto é sim, uma ameaça!]
“Que falta eu sinto...
De dizer e receber um sincero ‘te amo’
De um chamego
Do afago
De uma bobagem amorosa que em outra circunstância nunca falaríamos...
...e prometemos para nós mesmo que jamais iremos falar
De uma bobagem dita ao pé do ouvido
De uma piada interna íntima
Da saudade que bate logo após a despedida
Da ligação ‘só para ouvir sua voz’
Da festa de família chata que, mesmo assim, curtimos por estar com quem estamos
Do silêncio não constrangedor
Do desejar
Do sentir o calor da intimidade compartilhada
Do olhar que tudo diz
De ler um poema clichê desse e se identificar com cada linha...
...e imaginar uma porção de outras que caberiam aí
Que falta eu sinto...
De dizer e receber um sincero ‘te amo’”
segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010
O medo do desconhecido é provavelmente um dos maiores medos da humanidade. E aqueles que me vierem dizer que na verdade é o medo da morte, replico dizendo que o medo da morte é nada mais que o medo do desconhecido.
Olho nesse momento para uma estrada escura que leva algum lugar que não vejo onde. Talvez esse lugar não passe muitos metros depois que a escuridão tomou conta de tudo. Talvez, ali escondido no breu do desconhecido esteja uma parede intransponível de tijolos. Talvez o caminho prossiga, cada vez mais para longe, cada vez mais para fundo de um futuro que por mais que aperte meus olhos não consigo enxergar e que desconheço.
Seja uma parede escondida na escuridão. Seja um longo caminho que jamais saberei onde vai dar – num lugar lindo e reconfortante, ou o inverso disso – sei que não serei quem eu realmente sou se não encarar o medo e avançar. Avançar sem se preocupar o que ta para depois da escuridão. Depois do desconhecido. Continuar caminhando por essa estrada valorizando cada passo sem se preocupar com os dois passos seguintes. Valorizar essa lua cheia que sopra um vento fresco e assim refresca os corpos quentes dos que caminham. Esta lua também não sabe responder o que vem no futuro e se soubesse eu não ia querer ouvir, pois, por mais medo que tenhamos do desconhecido, tudo ficaria sem graça de nada tremêssemos.
Não se preocupe se nada entendeu deste post. Não era para ninguém, além de mim e da lua cheia, entender mesmo.
domingo, 31 de janeiro de 2010
Amor revolucionário
Tenho quase certeza que foi Che Guevara que, quando perguntado qual é a principal característica de um revolucionário, respondera: “O amor.”. Muitos podem achar que essa foi uma resposta muito vaga, ou que existem centenas de outras palavras que poderiam definir melhor um revolucionário. Che poderia ter falado “coragem”, pois é preciso ter muita coragem para lutar, seja de armas ou bandeiras nas mãos, contra um sistema monstro que detém todos os aparatos de repressão e persuasão em suas mãos para se manter. Poderia também ter falado “força”, força para lutar e enfrentar perigos e sobreviver às adversidades que um militante pode enfrentar. Enfim, este revolucionário argentino, ou melhor, latino americano, ou melhor ainda, internacional, poderia ter escolhido uma gama imensa de adjetivos que poderia descrever a maior característica de um revolucionário, mas ele escolheu a vaga idéia do “amor”.
Vou dizer a vocês que apesar de vaga, acho que Guevara não poderia ter definido melhor a principal característica de um revolucionário. Amor é algo que ninguém jamais conseguiu definir direito, e os que melhor conseguiram foram aqueles que disseram que jamais poderiam definir o amor. Mas, assim como o vento que ninguém vê, mas seus efeitos estão por toda volta, por vezes um tanto quanto destruidores, o amor também é assim. Não o vemos, nem sequer o definimos, alguns ainda dizem que não passa de uma série de reações químicas em nosso corpo, mas certamente todos nós já sentimos o seu poder, por vezes um quanto tanto destruidor. Quando amamos algo, faremos de tudo para preservar, ou alcançar esse objeto amado e é por isso que um revolucionário precisa ter, antes de tudo, amor por aquilo que acredita.
É preciso amar e não só ter coragem, para enfrentar o poder monstro do sistema. É preciso amar e não só ter força, para enfrentar as durezas da luta do dia-a-dia. E nós revolucionários devemos nos policiar todos os dias para ver se há amor suficiente conosco, pois a dureza do cotidiano de um revolucionário muitas vezes pode endurecer o mais mole dos corações.
O amor de um revolucionário está presente não somente em sua vida política, mas certamente em sua vida pessoal também. Revolucionários devem ser sonhadores, e dispostos a buscar aquilo que lhes parecem ser impossível de alcançar, porém, tanto na vida política, quanto na vida pessoal – que muitas vezes se mistura e se confunde – o revolucionário deve saber botar o pé no chão e agir guiado pela razão, encarando a realidade de ao seu redor.
Ninguém disse que a vida de um revolucionário é fácil. Não lutamos porque é divertido. O número de derrotas, muitas vezes, é bem maior que o de vitórias. Mas se soubermos equilibrar o amor e a razão, o sonhar e o pé-no-chão, podermos nos manter de pé e enfrentar todas as adversidades que a vida político-pessoal nos preparará.
Com o testemunho da lua cheia, tento fazer dessas palavras mais que um texto jogado num blog, mas uma filosofia de vida aplicada a minha realidade político-pessoal.
“Sejamos realistas! Desejemos o impossível” (Maio de 68)
sábado, 23 de janeiro de 2010
Carta Aberta
Estou, nesse momento, fazendo os últimos preparativos para a viagem para Porto Alegre onde ocorrerá o X Fórum Social Mundia. E como este é meu primeiro evento político do ano, farei meu primeiro post estritamente político.
Este é um relato pessoal e uma contribuição minha para o debate político.
Por que saí do PT e por que entrei no PSoL-CSOL.
Em 2007, quando entrei na universidade era do PT e apoiava o Lula. Já no 2º semestre encarei o processo do REUNI. Vi o governo baixando um decreto que "poderia ou não" ser aceito pelas universidades (mas se não aceitassem a verba seria bem menor). Como eu apoiava o governo, participei dos mais de 5 debates realizados pelo DCE, de mais outros 2 ou 3 realizados pelo CAHIS, e pelo menos um realizado pela reitoria, além é claro, de buscar informações com meus companheiros que apoiavam o projeto. O argumento principal deles era: A universidade vai ampliar, o filho do pedreiro vai poder virar doutor, haverá mais verba para a universidade, como já estava escrito no projeto. Porém lendo as poucas linhas do decreto, atentamente, e ouvindo todos os debates percebi o quanto esse argumento era superficial. A verba pública que toda universidade deve receber, estava condicionada ao cumprimento de diversas condições, algumas delas absurdas como: nível de conclusão de 90%, coisa que nem as universidades de 1º mundo têm; o aumento de números de alunos era muito maior que o aumento do número de professores, sendo assim, entupindo as salas de aulas, o que é claro prejudica a qualidade da aula. Previa a dissociação do tripé ensino-pesquisa-extenção, sem contar a diminuição do tempo que o estudante permanece na universidade, entre muitas outras coisas.
Com um pouco mais de atenção fica claro que, por de trás de um decreto que prevê aumento de vagas, que fará o filho do pedreiro virar doutor, que trará um aumento de verbas, está um conceito de universidade que faz o estudante se qualificar o mais rápido possível, para que possa rapidamente entrar no mercado de trabalho que, hoje, exige um nível de qualificação maior. O REUNI, transforma a universidade numa fábrica de mão-de-obra qualificada de reserva para que, assim, se possa continuar a flexibilização das leis trabalhistas, historicamente conquistadas. De acordo com o projeto neoliberal. A universidade deixa de ser um espaço de troca de idéias, de formação de cidadãos.
Então eu comecei a perceber que isso tudo não era à toa. Sempre acreditei que fazer alianças com a “burguesia nacional”, aceitar dinheiro de grandes multinacionais para as campanhas era importante para que pudéssemos chegar ao governo e, a partir daí implementar reformas estruturais que fizessem o capitalismo entrar em contradição, acirrar a luta de classes e, daí, começar um processo revolucionário, isto é, aplicar o Projeto Democrático Popular. Porém as alianças cobram seu preço. Eu acreditava que ao chegar no poder, dava para, numa queda de braço, tencionar o governo para a esquerda. Mas, numa queda de braço onde a outra parte é muito mais forte, é impossível ganhar. A burguesia tem todo aparato de dominação cultural e militar, historicamente enraizados na nossa realidade, e é inocente acreditar que podíamos, contra eles, puxar esse governo pra esquerda. Ainda mais quando aqueles que mandam no PT há muitos anos como, por exemplo a Articulação, já estão degenerados em suas práticas há mais tempos.
A política do governo Lula deu continuidade ao principal foco da política de FHC/PSDB/DEM, a implementação do neoliberalismo. Lula não representou um freio a esse modelo econômico, é claro que ele não poderia mais privatizar empresas estatais da forma aberta e esdrúxula que foi feito no governo FHC, mas os leilões do petróleo, que entregam boa parte da PETROBRAS para mãos estrangeiras e que, até o PCdoB e parte do PT, se dizem contra, são uma forma mais discreta, porém real, de privatização. Os cursos pagos nas universidades públicas e as fundações que sugam dinheiro público são outra forma quase imperceptível de entrega do que é público para mãos privadas. O Pro-Uni, que sob a máscara de colocar pessoas sem recursos na universidade, cumpre o seu papel atendendo aos interesses do mercado (do jeito que os organismos internacionais querem), pois dá a classe trabalhadora uma qualificação rápida, sem qualidade, mas que permite ela se tornar mão-de-obra excedente à espera de um emprego.
O REUNI não foi um ato separado. Ele faz parte de um lógica de governo que está a serviço daquilo que o PT e o PCdoB das antigas mais combateram, mas que, para chegar ao poder, se aliaram. Com isso, os ataques à previdência social não se tornam estranhos (como eu costumava ver e tentava de tudo me justificar). Assim, o ataque ao direito à greve é bem plausível. As alianças com governos assassinos como o de Cabral aqui no Rio, que com sua política de segurança, mata e reprime a classe trabalhadora negra das favelas, são totalmente aceitáveis. Alianças essas que agora podem até abrangi o PSDB, como já foi feito em certos lugares. Os Bancos que, antes da crise, batiam todo dia recordes e recordes de lucro, também não é um fato isolado. Esse governo se tornou um governo de direita, pois está a serviço do mercado, ou seja, da burguesia exploradora.
Porém, não podemos jamais dizer que esse governo é igual ao do Fernando Henrique. Isso seria uma grosseira falha de avaliação de conjuntura. Lula tem um grande diferencial que foi pegar os programas sociais esboçados pelo FHC e torná-los reais. É indispensável vermos a abrangência dos programas assistencialistas do governo. O número de famílias pobres e miseráveis que passaram a receber uma ajuda de custo através das diversas bolsas é impressionante e explica muita coisa. Muitas famílias deixaram a linha da miséria para serem pobres. Soma-se isso com a própria imagem do presidente Lula, pois, é inegável que hoje Lula tem sua imagem descolada da do PT. Lula hoje representa uma força muito maior que o PT e o PT e seus aliados vão a reboque do Lula. (Um exemplo impressionante disso é a luta contra Sarney no senado, que o PT ameaçou embarcar, mas logo depois passou a fazer a defesa do Sarney, devido muito à posição do Lula). Lula é um presidente que tem a cara do povo. Invés de falar de Webber, fala do Corinthians e essa identificação entre povo/presidente, também ajuda a explicar a grande popularidade que ele tem junto à classe trabalhadora.
Lula veio do movimento social e ao chegar no poder fez com que uma grande parte desse movimento social passasse a ter uma política de defesa do governo federal e de suas políticas e não mais uma atuação junto à base e uma defesa daquilo que no passado historicamente defenderam. Os dois grandes exemplos disso são a CUT e a UNE. Hoje a direção majoritária da UNE, além de aceitar dinheiro do governo, defende com unhas e dentes todas as políticas do governo federal, normalmente fazendo um pseudo contra proposta, com o objetivo de tentar se diferenciar, mas que na prática tem os mesmos interesses do governo. Como, por exemplo, foi o REUNI, onde eu vi, na UFRJ, estudantes da UJS e do PT lutando, ao pé da letra (isto é, com socos e ponta pés), para defender o conselho universitário altamente ilegítimo e antidemocrático que viria a aprovar o REUNI dentro de uma sala em separado. Não diferentemente apoiaram e legitimaram a aprovação do REUNI na UFF (pois tinham militantes lá dentro) que foi feito fora do espaço da universidade, no tribunal de justiça de Niterói, onde os opositores ao decreto, professores e estudantes, foram impedidos de entrar pela PM com gás de pimenta e tudo. O CONUNE é outro espaço que mostra o tamanho da burocratização dessa entidade. Sem entrar no mérito das diversas maneiras bizarras que a UJS principalmente, mas também o PT tiram delegados, lá há poucos espaços para debate de idéias como GDs e etc. A organização joga para desmobilizar e despolitizar o espaço, realizando grandes shows e eventos durante o CONUNE.
Sendo assim, apesar de grande parte da classe média não gostar do Lula, devido ao preconceito de classe, o mesmo motivo que faz a mídia pegar em seu pé [mas quando tem que elogiar sua política econômica, não deixa de fazer], Lula representou uma vitória da burguesia nacional e internacional, pois ela pôde continuar aplicando seu projeto neoliberal de ataque aos direitos, ao mesmo tempo em que cooptou grande parte do movimento social outrora combativo e satisfez o povo com uma política assistencialista. Uma grande vitória dela ante aos processos de ascenso que estão ocorrendo na América Latina, como por exemplo, Bolívia, Venezuela e Equador que, apesar de terem seus problemas, representam um freio no neoliberalismo e um avanço democrático considerável.
Achei importante falar isso tudo, pois foi exatamente isso que me fez sair do PT. Todos esses pensamentos passaram na minha cabeça, não de forma muito tranqüila e nem muito menos feliz. Foi um baque forte. Mas a luta continua. Foi então que me vi de frente a um dilema. Sou militante, sou de esquerda e sou socialista. Acredito na importância de se estar organizado para lutar contra a exploração do homem sobre o homem no capitalismo. Mas saindo do PT, com toda essa avaliação, seria incoerente buscar um partido governista e assim analisei os partidos da Frente de Esquerda (PSoL, PSTU e PCB), pois eram quem representava e concretizava melhor essas criticas ao governo de Lula e ao sistema em geral.
O PCB não tem quase nenhuma força ou intervenção onde eu milito, apesar de terem crescido um pouco nos últimos anos. Melhorou consideravelmente em relação ao passado, mas ainda tem seus resquícios stalinistas. O PSTU é um partido de luta, que atua nos movimentos sociais (diferente dos partidos governistas que hoje tem como ponto principal de sua política permanecer no poder). Porém acredito que, por se tratar de um partido centralizado, muitas vezes toma atitudes sectárias acreditando que são a vanguarda do movimento socialista e quem não está com eles é pelego. Assim eles se comportaram ao se retirarem da UNE e não perceberem que ali é um espaço onde tem milhares de estudantes que lá estão porque não conheceram outro discurso se não o da UJS, ou porque acreditam que o governo Lula é um avanço, pois o colocou na universidade. São esses estudantes de base que, acredito eu, nós devemos disputar e trazê-los para a luta. Mostrá-los que ele agora da na universidade graças ao Pro-Uni, mas em que tipo de universidade? Tem que tipo de formação? O PSTU acredita que a reorganização do movimento estudantil será feita a partir da criação de uma nova entidade, como fez com a CONLUTE e agora com a ANEL. Uma visão superestrutural, como se os problemas do ME possam ser resolvidos a partir de cima. Avalio que a UNE se tornou uma entidade a serviço do governo federal e de sua política, mas não é criando uma nova entidade que tudo voltará a ser bom. Temos é que disputar na base. Em cada CA e DA, em cada DCE, das universidades públicas e particulares. Trazer o estudante para a luta real e concreta e assim, dessa demanda quem sabe, surja a necessidade de uma nova entidade de luta que unifique o movimento da esquerda combativa. Mas isso não é algo que se faça de cima pra baixo, mas sim de baixo para cima.
As posturas do PSTU no cenário internacional, também refletem essa política sectária. Eles se põem como oposição de esquerda ao governo de Chávez e Evo Morales. Eu concordo na avaliação que Chávez e Morales não são a revolução socialista. Eles representam a aplicação do Projeto Democrático Popular que, naquela conjuntura, foi mais avançado que o exemplo de Lula no Brasil. Porém a fragilidade desse projeto se torna evidente quando vemos os movimentos sociais avançarem mais que o governo e o governo tentar freiá-los, fazendo coisas inadmissíveis como a demissão de um líder sindical da petroleira venezuelana, após uma greve com reivindicações justas. (E olha que ele apoiava o governo de Chavez). A burocratização e a corrupção são coisas inevitáveis quando se acredita que dá para mudar o sistema atravéz do Estado burguês, istoé, a aplicação do Projeto Democrático Popular. Porém, é inegável o acsenso de massas que ocorre nesses países. É também um erro de avaliação dizer que Chávez e cia são iguais ao governo Lula. Lá os movimentos sociais estão nas ruas, discutindo política e o socialismo e é preciso estar ao lado desses movimentos sociais e apresentar uma alternativa revolucionária. Se você se põem apenas como oposição à esses governos, que tem grandes avanços, você se isola das massas e se põem ao lado da direita mais reacionária desses países. Assim, o PSTU não me pareceu uma alternativa neste momento.
O PSoL surge com o objetivo de fazer com que aqueles militantes que saíram do PT quando perceberam a guinada do governo à direita, e que não se viam no PSTU (como eu) não voltassem para casa, cuidar das suas vidas. Surge também com o objetivo de unir as diversas organizações que romperam com o governo, para que essas não fizessem sua luta de forma desunida e fragmentada. O PSoL nasce com a proposta de ser um instrumento de reorganização da esquerda combativa, decepcionada com o governo que ela ajudou a eleger e por isso o partido deve ser amplo, democrático e aberto à tendências internas, para que se possa ter um diálogo e seja um instrumento de unidade e debates dessas organizações. Na época que se discutia a criação desse novo partido, o PSTU estava nos debates e propôs que o novo partido fosse centralizado, e filiado a Liga Internacional dos Trabalhadores (LIT) [A Internacional à qual o PSTU é filiado], ou seja, queria formar um PSTUsão. Venceu a idéia do partido amplo e assim nasce o PSoL.
Eu tenho diversas críticas ao PSoL e a forma com que a direção majoritária do partido toca ele. Acho que a campanha da Heloisa Helena em 2006 foi uma campanha moralista, sem um cunho anti-capitalista, que dialogava principalmente com a classe média e não com os movimentos sociais. Isso reflete a visão de alguns grupos dentro do PSoL. Mesmos grupos que aceitaram dinheiro de uma multinacional (Gerdal) para fazer campanha e que fez aliança com o PV do Rio Grande do Sul e com o PSB no Norte. Avalio que isso mostra que esses grupos romperam com o PT e com o governo Lula, mas não deixaram de ser petistas. Como assim? Continuam acreditando no Projeto Democrático Popular. E para esse projeto ser posto em prática, você precisa chegar ao poder, e na vontade de chegar ao poder, você faz concessões anti-classistas. Trilham o mesmo caminho da degeneração que os partidos governistas e outros partidos pseudo de esquerda (PPS, PDT, PV) trilharam. Porém ao entrar no PSoL, eu entrei numa corrente que avalia que o PSoL, mesmo com seus diversos problemas, cumpre um papel importante na reorganização da esquerda combativa hoje no Brasil. Essa corrente é o CSOL, que teve sua fundação feita, principalmente, com militantes que romperam com o PSTU no processo de formação do novo partido (que viria ser o PSoL), pois defendiam que o PSTU recuasse na sua proposta de criação de um partido revolucionário, centralizado, a fim de fazer um partido amplo, aberto e democrático. Foram perseguidos internamente e romperam.
O CSOL acredita que a eleição é importante pois é um período em que a população está, minimamente, discutindo mais política. É um momento em que, apesar de todos os entraves da democracia burguesa, a esquerda combativa pode ter um pouco mais de espaço para denunciar o sistema que oprime a classe trabalhadora e a farsa dessa falsa democracia representativa, onde a cada 2 anos nós delegamos a terceiros o dever de mudar o país e lutar por nós. É importante eleger deputados, senadores e etc? Sim, é claro. É só vermos o exemplo do Marcelo Freixo aqui no Rio, que faz a denúncia das milícias e da violência policial e incomoda muito o grande capital e a burguesia. Mas não devemos ter ilusões de grandes transformações através da luta parlamentar. Apenas suadas vitórias pontuais. Nosso foco principal é a atuação nos movimentos sociais: sindicatos, DCEs, Associações de moradores, movimentos urbanos e rurais, etc. Atuar junto à classe trabalhadora explorada para que esta se organize e venha lutar pelos seus direitos e principalmente por um sistema verdadeiramente democrático onde não haja exploração do homem sobre o homem. Assim, internamente, combatemos esses grupos que saíram do PT, mas não romperam com as práticas petistas. Inclusive, no último congresso, obtivemos vitórias importantes que dão a esse partido fôlego pra continuar sendo um instrumento de reorganização da esquerda.
Entrei no PSoL por acreditar que estamos em uma conjuntura de refluxo dos movimentos sociais, onde a esquerda precisa de um espaço unificado para trocar idéias, debater programa e procurar uma pauta que minimamente unifique essas organizações, para atuar na luta contra os avanços neoliberais.
Entrei no CSOL, pois sou socialista e sou revolucionário. Sei que não estamos num momento pré-revolucionário, mas a história já nos ensinou que assensos de massas acontecem de formas cíclicas e normalmente acompanham as crises do capitalismo. Nós estamos no início de uma grande crise (mesmo que os jornais já tratem ela como superada, alguns especialistas dizem o contrario). Mas com a crise, não é obvio que a esquerda cresce. Pode acontecer justamente o contrario, pode haver um crescimento da extrema direita. É por isso que nós, da esquerda socialista revolucionária, devemos estar atuando junto aos movimentos sociais, chamando a classe trabalhadora para defender um programa de ruptura com o sistema que a explora e não atuando para defender o Estado burguês, com uma política que beneficia e ajuda a salvar a burguesia da crise.
Não é possível escrever pouco para justificar uma decisão tão complexa, como minha saída do PT (2007), minha entrada no PSoL (2008) e no CSOL (2009), mas espero que tenha ficado esclarecido.
[Adendo atual] A Atual polêmica do apoio ou não à candidatura de Marina do PV e a postura do CSOL de não só defender candidatura própria, como, com o lançamento da pré-candidatura do Plínio de Arruda Sampaio à presidência, fazer o contraponto com aqueles que ainda acreditam ser possível mudar a sociedade por dentro do Estado burguês. Discutimos o papel de uma organização revolucionária na eleição burguesa e isto me fez ter convicção das minhas escolhas. Não estamos aqui para fazer um percentual alto a qualquer custo, mas sim para debater e construir um projeto socialista para o Brasil, junto com os movimentos sociais e populares.
Renan as Cruz Padilha Soares.
Coletivo Socialismo e Liberdade
Partido Socialismo e Liberdade
terça-feira, 19 de janeiro de 2010
Medroso
Ter criado esse blog já se tornou um problema. Antes eu nunca escrevia e raramente tinha vontade de escrever. Uma vez ou outra, inspirado por algum acontecimento importante na minha vida ou no mundo ao meu redor – isso inclui todo o planeta, é claro – me arriscava nesse estranho mundo da literatura e esboçava algum texto que podia, ou não, ficar razoável - considerando alguém que não escrevia nunca e que nem blog tinha -. Mas agora eu estou inquieto. Literariamente inquieto. Vejo motivo pra escrever em cada esquina. O mundo todo passa ser a minha inspiração.
Bem... Eu avisei para todos vocês no meu primeiro post aqui, o “Abertura”, do problema que a acessibilidade à internet pode causar. Disse com todas as letras que essa acessibilidade permite que pessoas como eu, sem aparentemente nenhum dom pra coisa, encare – algumas vezes de forma desastrosa – a arte de escrever que, antes, era para poucos. Há alguns dias li um livro do Veríssimo chamado “Os Espiões”. Nesse livro um dos personagens diz algo mais ou menos assim – não posso dar maior precisão, pois não estou com eles nas mãos e não pretendo levantar-me para estar, isto graças a essa maldita inquietude de escrever – “É preciso ter coragem para escrever, mas é preciso muito mais coragem para não escrever”. Como eu disse não tenho certeza se era exatamente isso, mas a idéia que esse personagem queria passar é que qualquer um pode escrever e expor o que escreveu, mas é preciso ter coragem para guardar pra si aquilo que você pensa. Não sei se era exatamente isso que ele queria dizer, não sei nem se ele realmente o disse, mas quando me vejo sentado de frente para à tela do computado, com o word aberto e o início de uma frase inacabada escrita, entendo perfeitamente o que aquele personagem quis, ou não, dizer.
Preciso usar novamente neste blog a expressão “Faca de dois gumes”, pois esta é uma excelente expressão para transmitir isso que estou passando. Não posso negar que essa ânsia por construir um conjunto de frases que tenham, ou não, coerência ente si, formando assim um texto, tem me levado a pensar e exercitar a escrita, como meu pai, professor, sempre cobrou desde que eu me entendo por gente. Mas assim como ninguém precisa ficar me olhando se exercitar fisicamente – e não recomendo mesmo que o faça – ninguém precisaria ficar olhando eu exercitar a escrita. Vocês poderiam, portanto, evitar o desprazer de encarar uma lombriga magricela levantando peso, assim como poderiam evitar o desprazer de encarar um texto com dezenas de frases aparentemente tiradas do google e/ou dos livros de Paulo Coelho, numa tentativa de produzir e exercitar, mesmo que tardiamente, a escrita.
Eu sou um medroso. Não tenho coragem o suficiente de pegar essas idéias de textos sobre amor, amizade, reflexão e literatura, ignora-las e voltar a atenção para o site de esporte – mesmo sabendo que nessa altura da temporada, as notícias não passam de especulações e hipóteses – ou para qualquer coisa que não exercite minha escrita – e muito menos meu corpo. Medroso que sou e aparentemente sem nenhum respeito pelo bom-gosto de vocês que tão atenciosamente ainda visitam meu blog, – ou mesmo insistem em me ver malhar -, continuo a datilografar linhas e mais linhas de tudo aquilo que me vem à cabeça. E me perdoem mas,... Não pretendo parar.
sábado, 16 de janeiro de 2010
Uma mensagem sem fé, nem esperança
Os olhos do mundo se voltam para o Haiti. E porque isso agora? Certamente não por uma súbita revolta e inconformismo com anos de exploração e autoritarismo político de uma minoria privilegiada. Tampouco pelo reconhecimento de sua cultura rica e extremante interessante. Não foi também uma grande revolução que, como em 1791, inspirou escravos por todo o mundo e aterrorizou senhores com seu grito de liberdade.
O mundo olha para mais uma tragédia que atingi esse povo sofrido. É comum ouvirmos o quanto é lamentável que além de tanta pobreza, o país seja atingido por um desastre natural que nada poderíamos fazer para impedir. Claro que não poderíamos simplesmente impedir que as placas tectônicas em choque provocassem o tremor de terra, mas esta tragédia é sim mais uma das milhares de tragédias causadas pelo homem.
A revolução escrava haitiana de 1971, que expulsou e matou todos os senhores de escravos do país sobre a liderança de Toussaint L’Overture, é um exemplo de que não haverá uma mudança real na sociedade se não for mudado o sistema que produz tais injustiças. Uma nova classe privilegiada logo se formou e a exploração da maioria da população manteve-se. A diferença é que não mais seu sangue era sugado pelo homem branco, mas sim pelos próprios revolucionários negros. Poderia escrever um texto só sobre os desmandos e a exploração que a classe dominante do Haiti proporcionou ao longo da história. Poderia relatar as inúmeras intervenções e ocupações estrangeiras, desde o Estados Unidos de 1915 à 1934, até o Brasil em 2004. Mas o mais importante disso tudo é entendermos que anos e mais anos de hiper-exploração levaram o Haiti a se tornar o país mais pobre das Américas e um dos mais pobres do mundo e é por isso que eu afirmo que a tragédia natural que matou cerca de 200.000 haitianos é mais uma mancha de sangue nas mãos da humanidade
O Haiti, assim como o Japão, está numa área sujeita a tais fenômenos naturais potencialmente destrutivos. O que explicaria então, que no Japão um terremoto desses não mata um número tão absurdo de pessoas como o terremoto do Haiti. Somos bombardeados todos os dias com a falácia da globalização e seus benefícios. União de culturas, um mundo conectado. Mas o que não se fala é que as culturas que se unem são aquelas que interessam aos lucrativos investimentos das multinacionais. O Haiti, assim como diversos de outros países do globo, são invisíveis para os olhos da globalização. Alguém sabe qual é a língua mais falada do Haiti? Alguém sabe qual é a religião mais cultuada? Se alguém souber que essa religião é o Voodu, sabe que ela nada tem haver com o que vemos nos filmes da Disney com bonequinhos espetados por alfinetes? Não... Nada sabemos sobre o que se passa no Haiti, pois não é lucrativo saber.
O mundo hoje chora a tragédia. Super Top Models doam milhões e milhões de dólares para o país e algumas já devem ta comprando suas passagens para África – não é lá que o Haiti fica? – para aparecer doando alimentos com os lhos lacrimejando. Agora, até quando será lucrativo chorarmos a tragédia do Haiti? É só imaginarmos que quando o furacão arrasou Nova Orleans nos Estados Unidos, o mundo também de comoveu, mas logo logo também esqueceu. E o fato da mídia não dar mais atenção àquela cidade de predominância negra dos Estados Unidos, não diminui o sofrimento dos milhares de desabrigados pela enchente que foram o enganado e caloteado pelas seguradoras. Isso porque estamos falando dos Estados Unidos. Imagina o Haiti? Quando não der mais audiência falar dos milhares de mortos, do esforço do exército brasileiro que a despeito da ocupação criminosa e repressora, se esforça para salvar a vida dos cidadãos, quando um branco de classe média alta for assassinado na zona sul e a televisão não mais falar do pequeno país da América Central, não quer dizer que o sofrimento do povo haitiano diminuirá.
Muitos preferem nessas horas escrever mensagens de fé e esperança sobre a tragédia. Mas nem a fé, nem a esperança – esperança essa que há muito tempo abandonou esse povo - mudará o fato de que o dinheiro doado para o Haiti, será administrado pelas mesmas pessoas que há séculos roubam e exploram. Nem amor e solidariedade mudará o fato de que assim que toda ajuda que foi mandada pra lá for retirada, o país se reconstruirá nos mesmos moldes que antes, com uma classe dominante massacrando a maioria ferrada da população com respaldo da missão de “paz” do exército brasileiro que reprime violentamente qualquer manifestação e revolta dessa população.
Não... Não há fé, amor, esperança ou qualquer uma dessas palavras bonitas que tanto nossa e a mídia mundial tenta valorizar agora. Essa foi mais uma tragédia de um povo, que não é maior nem menor que a cotidiana tragédia daqueles que sobrevivem a vida inteira como escravos do capitalismo e sua pseudo liberdade por todo o mundo.
quinta-feira, 14 de janeiro de 2010
Boquiaberto
Hoje fui fazer uma das coisas mais desagradáveis da vida. Ir ao dentista. As vezes penso “como é que pessoas, aparentemente tão boas, foram arrumar uma profissão tão desagradável.” Talvez tenham feito muita besteira quando criança e como castigo os pais lhe disseram: “Ou você será juiz de futebol ou será dentista, escolhe!”. Pode ser também que sejam apenas psicopatas. Como sabemos, psicopatas tendem a parecer cidadãos comuns quando não estão roubando, matando, estripando ou abrindo o dente das pessoas com máquinas terríveis.
Porém, por mais assustadores que os dentistas sejam, não vim aqui para falar deles. Como eu ia dizendo, hoje fui ao dentista. Precisava terminar um tratamento de canal que enrolava há anos pra fazer. Algumas vezes já tinha me convencido de que seria melhor conviver com a dor periódica do que me submeter à tortura do consultório. Porém, como sou muito macho – por “muito macho” entende-se “minha mãe me obrigou – resolvi encarar o perigo. Como um bom psicopata, a sala do dentista tinha uma televisão, que por sua vez tinha o objetivo claro de fazer-nos pensar que estamos seguros enquanto ele ataca. Decidi que o melhor a fazer seria prestar a máxima atenção no filme da sessão da tarde que estava passando, para não dar o gostinho ao meu torturador de me ver com os olhos arregalados de medo diante de seus instrumentos inspirados na Santa Inquisição.
Por fim, chego finalmente ao assunto que me inspirou escrever esse texto, pois fiquei boquiaberto. Não apenas pelo fato do dentista ter me obrigado a assim permanecer enquanto ele se deliciava enfiando espetos do tamanho do meu dedo médio em meu dente, tampouco foi o filme que contava a história estranha de um tubarão que queria casar com uma peixinho dourado. Entenderia se ele quisesse apenas come-la, mas isso não nos importa no momento. Foi o que passou na TV após o filme do romântico tubarão, que mexeu comigo de forma a fazer com que espantasse minha preguiça e minha falta de aptidão e viesse aqui escrever esse texto.
Há muito tempo que não via Malhação, provavelmente desde que eu passei a ter um mínimo de senso critico, mas sei, por alto, o enredo da série. Desde os tempos áureos da academia com Mocotó, Malhação mudara seu cenário para uma escola particular onde esteriótipos de adolescentes, brancos em sua maioria e de classe média, média alta, viviam esteriótipos de “romance, intriga e muita azaração”. E tais jovens esteriotipados, muito imitados em escolas particulares reais, eram o que esteriotipamos de “playboys” e “patricinhas”...
Nessa parte do texto dou uma parada pois sei que muitos vão dizer que não é politicamente correto julgar uma pessoa pelo seu “estilo” e que viu num episódio de Malhação que isso pode dar muitas “confusões, romances e azarações”. Bem, não tenho o compromisso de ser politicamente correto e há muito tempo não via Malhação, portanto assim continuarei o texto...
Como eu ia dizendo, o padrão de vida vendido pelo programa em questão era o dos “playssons” e “patys”. E qual foi minha surpresa ao perceber que nesta nova temporada, predomina-se o que podemos chamar de estilo cult, pseudo-cult, cult bacaninha ou qualquer outro nome de sua preferência. Assim como playboys e patricinhas, não existe um padrão unificado e oficial que defina com precisão o que venha a ser uma pessoa cult, cult bacaninha, pseudo-cult e por aí vai. Mas olhando para os personagens – principalmente as meninas – do programa em questão e vendo que usavam camisas do filme “Laranja Mecânica” – exelente filme, é bom dizer - majoritariamente de cabelinho bem curtos, All Stares coloridos, bótons e uma infinidade de outras características deste tipo podemos dizer, ou pelo menos ouso dizer, que o pátio da esteriotipada escola de Malhação, antes povoada por playboys e patricinhas, estava repleto de cults de todos os gêneros.
E o porque disso ter me deixado boquiaberto é que ninguém deve estar entendendo ainda. Para falar a verdade, nem eu entendi direito o motivo. Imagino que tendo eu estudado minha vida toda em escola particular e tendo sido sempre um outside – fazendo aqui uma referência ao termo utilizado pelo antropólogo Nobert Elias - ou seja, um nerd, grunje, esquisito, ou qualquer um desses esteriótipos de que vive a sociedade, via no padrão “paty” e “playsson” aquilo que a grande mídia vendia como o bonito e correto para a juventude. Sendo assim, talvez tenha imaginado que aquele recente estilinho cult, muito presente nas faculdades das áreas humanas, era contra-hegemônico.
Não sou idiota. Não pensei se tratar de um movimento de resistência à grande mídia e ao padrão cultural que a elite tenta impor, até porque ele nasce majoritariamente nas classes mais favorecidas, mas admito que pensei que, tudo aquilo que não fosse o Malhação Way of Life, deveria ser valorizado.
A vida nos traz, inevitavelmente, desilusões. Algumas são inevitáveis outras podemos evitar. Por exemplo, termos desilusões amorosas é inevitável, mas poderíamos evitar desilusões futebolísticas avaliando as três últimas finais do campeonato estadual que nosso time participou. Nesse caso específico, eu não poderia evitar a desilusão de achar que dessa vez o dentista seria melhor, mas poderia ter evitado a desilusão estilística se percebesse anteriormente o quanto o Pseudo-Cult Bacaninha Way of Life sempre foi individualista e consumista, tornando-se assim um padrão muito interessante para ser vendido na grande mídia.
Bom, apesar da desilusão evitável, uma coisa boa isso tudo gerou: ao ficar pensando nesse texto, motivado por tal desilusão, perdi a metade final da Malhação e quando dei por mim já havia começado uma outra novela que não lembro o nome e não me anima pesquisá-lo para por aqui. Com medo de que meus preconceitos e conceitos me levassem a mais desilusões desnecessárias, ou seja, com medo de que na novela aparecesse um empresário punk produzindo camisas do Che Guevara, resolvi prestar atenção no trabalho final do carniceiro por profissão que nesse momento dava uma de mágico tirando diversos objetos bizarros, que ele mesmo pôs lá, de dentro do meu dente. Espero que não tenha esquecido nenhum instrumento lá dentro. Essa seria uma desilusão que poderia evitar.
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